São Paulo, quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

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ANTONIO DELFIM NETTO

Câmbio e pirâmides

Há seis décadas na FEA/ USP aprendíamos na cadeira de sociologia, com o professor Heraldo Barbuy, que a "moeda" era uma instituição social que atendia às necessidades da crescente divisão do trabalho. Ela facilitava as trocas e aumentava a produtividade social. Como dependia da "confiança" que cada um depositava no outro, tornava-se fator de coesão coletiva e de autoidentificação do grupo.
Na cadeira de introdução à economia política, o professor Paul Hugon complementava (com menos sutileza) que a "moeda" era qualquer instrumento (não importa de que natureza, desde que escasso) que a sociedade aceitasse para cumprir três papéis: servir como unidade de conta; ser aceita para liquidar pagamentos e servir como reserva de valor.
No primeiro século da expansão marítima portuguesa, conta-nos o historiador Jaime Cortesão, navegadores usavam conchas do mar do arquipélago das Canárias como uma das moedas aceitas naquelas três condições, no tráfico de escravos na África.
A "moeda" era, portanto, externa às trocas. Ela só as facilitava, mas o preço relativo de cada bem ou serviço não dependia da sua unidade de medida. A moeda era "neutra" e seu "valor" controlado exogenamente pela quantidade disponível do bem escasso (o ouro e, depois, a quantidade de papel moeda) emitido pelas autoridades monetárias.
Ao longo do tempo, as coisas se complicaram: descobriu-se que a "moeda" não era neutra (ao menos no curto prazo) e que estava longe de ser "exógena". Assistimos à criação de "moedas substitutas" no plano Collor (algumas das quais ainda sobrevivem localmente, reproduzindo o enfoque sociológico).
Com o desenvolvimento da tecnologia, a sua materialidade foi perdendo importância. Hoje, na maioria das transações, ela é um simples lançamento contábil, cujo registro é a "memória" de um computador. Como disse o ilustre economista, o ex-ministro Ernane Galvêas, é cada vez mais difícil saber hoje, o que é a "moeda" que a autoridade monetária deve e pode controlar.
A grande "revolução" produzida pela globalização, pela sofisticação dos mercados e pela tecnologia é que a própria moeda se "internalizou": ela mesma transformou-se numa mercadoria! Em 2010, transacionou-se liquidamente (sem dupla contagem R$/US$ e US$/R$) 2 trilhões por dia de "moedas" (taxa de câmbio).
O seu volume vem aumentando 14% ao ano desde 2001.
Hoje há quase 10 mil "fundos especulativos" com um montante de ativos da ordem de US$ 1,7 trilhões, transacionando tudo: de "moeda" juros, ações, mercadorias e até "pirâmides". E ainda há quem acredite que nossa taxa de câmbio é determinada pelos "fundamentais"!

ANTONIO DELFIM NETTO escreve às quartas-feiras nesta coluna.

contatodelfimnetto@terra.com.br


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