São Paulo, quarta-feira, 26 de fevereiro de 2003 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES O pêndulo de Lula
RICARDO ANTUNES
É nesse contexto, que combina, contraditoriamente, situações adversas e positivas, que o governo Lula buscará seu caminho. Vitorioso eleitoralmente, o PT e as esquerdas terão que redesenhar sua opção e buscar uma nova rota para o Brasil, tendo como centro a nova morfologia do trabalho, em seu caráter compósito e multifacetado, buscando recuperar seu sentido de dignidade e de humanidade, abandonados nestes últimos tempos. Talvez pudéssemos, então, dizer que agora, sim, passa a valer a metáfora do pêndulo, o que, aliás, nunca ocorreu no período FHC, cujo (des)governo esteve sempre junto dos salões financeiros. Com Lula, os capitais transnacionais (com a aquiescência dócil do que resta dos capitais nativos) procurarão puxar o pêndulo sempre para o centro e a direita, sob a batuta do FMI e do Banco Mundial. No outro pólo, o universo heterogêneo e polissêmico do mundo do trabalho, através de suas ações concretas, de seus sindicatos, movimentos sociais urbanos e rurais, partidos e movimentos de esquerda, deverão respaldar, amparar, impulsionar e mesmo exigir do governo Lula a elaboração de políticas que garantam e ampliem os direitos dos trabalhadores contra a lógica destrutiva hoje vigente. Podemos ilustrar esse sentido pendular com alguns exemplos: a política econômica, que começa de modo pífio e continuista, tão aplaudida pelo sistema financeiro e seus representantes; a política externa, particularmente no contexto latino-americano, que se diferencia positivamente da fase anódina e falante de FHC; a batalha da previdência, que começa mal e atabalhoadamente, prisioneira do engodo neoliberal; o combate à fome, que oscila entre a justa diagnose da barbárie e o limitadíssimo remédio assistencial; um ministério que é a soma dos contrários... E, ainda, no giro aéreo de Lula, do Fórum Social de Porto Alegre ao "meeting" dos especuladores de Davos, levando-o a sonhar com a construção de uma ponte social intercontinental para a qual não há engenharia possível. Um último exemplo, da legislação trabalhista, pode ilustrar ainda melhor a disputa presente no governo Lula: os capitais globais vêm exigindo persistentemente, dos diversos governos nacionais, a flexibilização da legislação do trabalho. O governo Lula cederá às exigências dos capitais, precarizando ainda mais a nossa classe trabalhadora, ou, ao contrário, avançará em direção a um Código do Trabalho que preserve e avance na conquista de novos direitos sociais do trabalho? Passada sua fase de encantamento pós-eleitoral, com a volta das adversidades e confrontações de fundo, o governo terá que mostrar de que lado está. As forças econômicas, sociais e políticas em disputa tenderão a puxá-lo para lados distintos. Ele pode também estancar no meio -mas, para isso, não era necessário derrotar eleitoralmente o pomposo tucanato. Está se iniciando, então, o grande teste do governo do PT. E esse será o pêndulo de Lula. Ricardo Antunes, 49, é professor titular de sociologia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp. Foi pesquisador visitante na Universidade de Sussex (Inglaterra). É autor de "Os Sentidos do Trabalho" (ed. Boitempo). Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Misabel Abreu Machado Derzi: Justiça prospectiva na Previdência Social Índice |
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