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CARLOS HEITOR CONY
Desgraça colorida
RIO DE JANEIRO - Faz tempo,
dirigindo um carro em Montevidéu, cometi uma barbeiragem qualquer e me chamaram de "anormal".
Nem dei bola. Não aprecio normas,
não as tenho nem as cultivo. Mas
outro dia, numa rua aqui do Rio, enfrentando um congestionamento,
ultrapassei sem poder uma fila e me
chamaram de "palhaço".
Não doeu como deveria, mas me
senti como o criminoso que de repente é denunciado. Os palhaços
sempre me impressionaram, não os
achava engraçados, pelo contrário,
tinha medo deles, de suas calvas, de
suas vozes arranhadas. Em criança,
quando me levavam ao circo, era
um suplício, sonhava com eles, despertava coberto de suor. Eram desgraças coloridas, quanto mais coloridas mais desgraçadas.
Mais tarde, já adulto, encarnei
num deles quando li o "King Lear",
que convocou o bobo da corte para
se distrair dos problemas que o afligiam, mas logo o mandou embora,
dizendo: "És um bufão triste".
Taí. Todo bufão é mesmo triste, e
os palhaços, tanto no picadeiro como fora dele, têm os olhos mais do
que tristes por trás da máscara de
alvaiade, a enorme boca pintada de
vermelho disfarçando a vontade de
chorar, chorar um pranto também
enorme, que mistura todos os motivos que qualquer homem tem para
chorar.
Em matéria de bufão, não fiquei
no "Rei Lear". Um dos primeiros e
raros sonetos que consegui decorar
era uma chibatada não apenas em
cima dos palhaços mas de todos os
profissionais de qualquer ofício.
Autoria de um padre cearense que
andava nas antologias de então.
"Ontem viu-se-lhe em casa a esposa
morta e a filhinha mais nova tão
doente; hoje, o empresário vai bater-lhe à porta, que a platéia o reclama impaciente".
E o soneto termina: "Enquanto o
lábio trêmulo gargalha, dentro do
peito o coração soluça".
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