São Paulo, sábado, 26 de fevereiro de 2011

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Moderadores de apetite devem ser proibidos?

SIM

Relação risco-benefício é desfavorável

FRANCISCO JOSÉ ROMA PAUMGARTTEN

A Câmara Técnica de Medicamentos (Cateme) recomendou à Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) o cancelamento do registro da sibutramina e dos demais inibidores de apetite (femproporex, anfepramona, mazindol) comercializados no Brasil.
Isso porque os riscos desses medicamentos para a saúde do paciente superam amplamente os benefícios esperados do seu uso no tratamento da obesidade.
A conclusão da Cateme foi alcançada de forma independente, após longa e criteriosa análise das evidências científicas disponíveis e coincide em essência com as conclusões anteriores das agências de medicamentos dos EUA (FDA) e da Europa (EMA) sobre a segurança e eficácia desses anorexígenos.
A sibutramina foi retirada do mercado na Europa, nos EUA, no Canadá, na Austrália e em outros países em 2010, enquanto os demais anorexígenos, na maioria dos casos, já haviam sido banidos há muito. O femproporex, que é transformado no organismo em anfetamina e tem alto potencial de causar dependência, é, no cenário internacional, quase uma singularidade do mercado brasileiro.
Nos Estados Unidos, quando contrabandeado, é conhecido como a pílula brasileira para emagrecer ("Brazilian diet pill").
A recomendação da Cateme, respaldada em nota técnica elaborada pela Anvisa, foi contestada por prescritores e pelo setor de farmácias magistrais.
Apesar da veemência das manifestações desses setores na audiência pública e na mídia, nenhum estudo clínico ou dado científico novo foi apresentado no sentido de abalar os fundamentos da conclusão da Cateme, bem como das decisões do FDA e da EMA.
A sibutramina é o mais moderno e o mais estudado dos quatro medicamentos. O Scout (Sibutramine Cardiovascular Outcome Trial), um estudo clínico de longa duração envolvendo cerca de 10 mil pacientes obesos com doença cardiovascular, diabetes ou ambas as condições demonstrou que a sibutramina aumenta o risco de eventos cardiovasculares. O aumento de risco também é indício de que há ineficácia terapêutica.
O objetivo do tratamento da obesidade é a redução da morbidade associada ao excesso de peso, e não a redução do peso em si.
Os resultados do estudo acima citado indicaram que, embora a administração de sibutramina tivesse causado perda de peso, ela foi ineficaz em prevenir a incidência de eventos cardiovasculares adversos (entre os quais infarto do miocárdio e acidente vascular encefálico) associados ao excesso de peso (na verdade a sibutramina aumentou essa incidência).
A afirmação de que o tratamento com anorexígenos contribui para reduzir a morbidade e a mortalidade associadas à obesidade não foi comprovada por nenhum estudo clínico de longa duração, controlado, aleatorizado e com poder estatístico adequado.
Os anorexígenos causam redução modesta de peso, que não é mantida após a interrupção do tratamento. Além disso, não há evidências de que a redução de peso obtida com o tratamento farmacológico diminua a morbi-mortalidade associada à obesidade.
A ausência de evidências consistentes de eficácia aliada aos severos efeitos adversos centrais e cardiovasculares observados tornam insustentável a manutenção desses medicamentos no mercado. A ausência de alternativas farmacológicas seguras e eficazes (além do orlistat) não é justificativa válida para manter no mercado medicamentos com relação risco-benefício claramente desfavorável.

FRANCISCO JOSÉ ROMA PAUMGARTTEN, médico, é membro da Câmara Técnica de Medicamentos e professor titular da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz.

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