São Paulo, sexta-feira, 26 de março de 2010

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Editoriais

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Lei contra lei

CHEGA A TER aspectos irônicos a discussão criada em torno do voto nos presídios, objeto de recente resolução do Tribunal Superior Eleitoral. Com razões de sobra, juízes e membros do Ministério Público manifestam preocupação diante das dificuldades inerentes à ideia de assegurar-se o direito de voto aos presos provisórios, no pleito de outubro. A prerrogativa é garantida constitucionalmente aos 152 mil brasileiros que, hoje, aguardam julgamento nas prisões; o TSE simplesmente seguiu o disposto na Carta.
Seguir o que determina a lei não é, contudo, tarefa simples nem hábito arraigado entre as autoridades no que tange à realidade do sistema prisional. Basta dizer que a Lei das Execuções Penais determina que cada preso tem direito a cela individual, de no mínimo 6 m2, com aparelho sanitário e lavatório (art. 88), ou que lhe está assegurada a possibilidade de exercer trabalho remunerado na prisão (art. 41).
Longe de constituir privilégio, determinações como estas representam um fator a mais de segurança para a sociedade -que em nada se beneficia ao ver detentos amontoados em covis, cuja administração na prática está frequentemente a cargo de facções do crime organizado, onde se trafica, mata, tortura e estupra impunemente.
Mas é irrealista imaginar, por exemplo, que mesários (seriam 4.000 a requisitar) possam entrar serenamente nesses barris de pólvora para zelar, como se diz, pela "lisura do pleito"; que urnas sejam levadas e retiradas em segurança do local; que haja plena liberdade de acesso à propaganda dos candidatos; ou que o poder de pressão do crime organizado não se exerça sobre o contingente dos detidos.
Tomada às vésperas do pleito, dada a omissão dos tribunais regionais, a decisão do TSE agrega novos fatores de perturbação a um quadro que, por si só, já se situa fora dos padrões da lei.
Resulta disso, como é comum no Brasil, um paradoxo. A lei que se quer cumprir se choca com a lei que não se cumpre, sem que nenhuma das duas se modifique. A solução habitual é engavetar a ambas; mas as gavetas -como as prisões- padecem de grave problema de superlotação.


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