São Paulo, quarta-feira, 26 de abril de 2006

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Marketing político: a piada do sofá

ANTONIO MELO

Descobriram o valerioduto, o mensalão, a lista de políticos aquinhoados com generosas contribuições de bancos, o dinheiro não contabilizado, as empresas laranjas, as "laranjas" e os "laranjas", contas ilegais no exterior, legendas e mandatos de aluguel, doados e doadores. Descobriram também que a culpa por tudo, como na piada do sofá, é do marketing político. Portanto, em vez de reforma política, reforme-se o marketing.


É pueril o argumento de que o marketing procura "vender" o político como se fosse sabonete. Nada mais falacioso


No Brasil, desafortunadamente, as coisas ainda se passam assim. Aqui tudo é na base da experiência. Já fomos monarquistas, presidencialistas, parlamentaristas e presidencialistas de novo. Tivemos presidentes com mandatos de cinco anos, de quatro, de seis, de cinco de novo, de quatro outra vez. Eleições diretas, indiretas e diretas de novo. Eleição sem reeleição. Eleição com reeleição. Programas eleitorais apenas com foto e currículo dos candidatos. Com imagens externas permitidas. Depois proibidas. De novo permitidas. Já querem proibi-las outra vez.
O marketing político que incorpora programas de rádio e televisão é, com certeza, a forma mais democrática de campanha eleitoral. Os programas de TV e rádio levam a todos os lares brasileiros o debate político utilizando-se de modernas técnicas de comunicação. É pueril o argumento de que o marketing procura "vender" o político como se fosse sabonete. Nada mais falacioso. Na propaganda política um candidato faz apologia de sua candidatura para, logo em seguida, vir seu adversário combater aquelas idéias, ofertar argumentos em sentido contrário para que o eleitor possa fazer melhor o seu juízo. A propaganda política em tudo se assemelha ao tribunal do júri, onde acusação e defesa expõem seus argumentos, um após outro, ante um corpo de jurados que vai votar pela condenação ou absolvição baseado nas teses ali apresentadas por ambas as partes.
Ensaia-se uma volta ao passado. As eleições brasileiras, antes, eram tocadas pelos chefes-políticos, coronéis, cabos eleitorais que comandavam currais de eleitores, votos de cabresto. Votava-se por um pé de sandália (o outro vinha-se buscar na casa do coronel depois de apurada a urna), uma dentadura, metade de uma cédula de dinheiro. A propaganda política no rádio e na TV e a urna eletrônica praticamente baniram essas práticas.
Então, por quê e para quê querem modificar instrumento tão importante para o processo eleitoral? A quem serve torná-lo chato, burro, desinteressante? A quem interessa a ressurreição dos coronéis, dos cabos eleitorais, do voto de cabresto?
A democracia pressupõe o entrechoque de idéias. E o momento melhor para isso é na campanha política. No horário eleitoral. Em vez de tentar torná-lo chato, que se busque fazê-lo interessante. Esse debate diário retransmitido para todo país tem se constituído o mais eficaz instrumento para que o eleitor ganhe experiência política e faça sua escolha de forma mais consciente.
Os que querem alterar a propaganda política escudam-se na descoberta de contas bancárias de marqueteiros e publicitários em paraísos fiscais. Caso se venha procurar, certamente profissionais de outras áreas terão incorrido no mesmo delito. Esse não é crime de marqueteiro. Mas de alguém que desrespeitou a lei.
Parece-nos mais salutar ao processo eleitoral e à própria democracia que se corrijam imperfeições da lei. E nisso, certamente, os profissionais de marketing político têm a contribuir. Que o legislador procure ouvir esses profissionais buscando aperfeiçoar, e não, mutilar, a propaganda eleitoral. Assusta que se trate desse assunto casuisticamente. Corremos o risco de um retrocesso. Por que abrir mão das conquistas que democratizaram as campanhas políticas?
O marketing político não é responsável por mensalões, valeriodutos, dinheiro não-contabilizado, laranjas, contas em paraísos fiscais, mandatos de aluguel, infidelidade partidária. Não é. E são essas deformações que precisam ser coibidas por uma reforma eleitoral profunda e duradoura.
Essa reforma profunda e duradoura é o que a democracia deve perseguir. Não perseguir o marketing político. Querem transformar o marketing no sofá da piada. E isso não tem graça nenhuma.

Antonio Melo, diretor de marketing político da Pública Comunicação, atuou nas campanhas presidenciais de Mário Covas e de Fernando Henrique Cardoso e foi coordenador e consultor nacional de marketing político do PSDB.


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