|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TENDÊNCIAS/DEBATES
O Ministério Público e a investigação criminal
RODRIGO CÉSAR REBELLO PINHO
Hoje o STF dará início ao julgamento de dois habeas corpus que interessam vivamente à sociedade brasileira
HOJE O Supremo Tribunal Federal dará início ao julgamento de dois habeas corpus que
interessam vivamente à sociedade
brasileira. O ministro Marco Aurélio,
relator dos casos, apresentará seu voto na sessão marcada para esta tarde,
e o plenário do tribunal começará a
discutir se o Ministério Público tem
ou não o poder de proceder diretamente a investigações criminais.
A questão não é pacífica, havendo,
em essência, duas posições antagônicas. A primeira defende que somente
a polícia pode investigar a prática de
crimes. Isso se dá, de acordo com os
partidários da tese, porque a Constituição teria assegurado à Polícia Federal a exclusividade do exercício das
"funções de polícia judiciária da
União" (art. 144, parágrafo 1º, IV), daí
concluindo-se, portanto, que nenhum outro órgão estatal poderia
partilhar desse poder -cabendo semelhante papel, nos Estados, às polícias civis, congêneres locais da instituição federal.
A segunda posição diverge da primeira na medida em que entende que
a Constituição se limitou a esclarecer
que, dentre os órgãos de segurança
pública estatais mencionados no art.
144 -Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Polícia Ferroviária Federal, polícias civis e militares e corpos de bombeiros-, as "funções de
polícia judiciária da União" são exclusivas da Polícia Federal, em detrimento das demais. Sendo assim, outros órgãos estatais, diversos dos integrantes do sistema de segurança pública -dentre os quais o Ministério
Público-, teriam o poder de também
investigar a prática de crimes.
O Ministério Público partilha dessa
segunda posição, entendendo que pode investigar a ocorrência de crimes.
A Constituição declarou expressamente que o Ministério Público é o titular privativo da ação penal pública
(art. 129, I), cabendo-lhe, por meio de
procuradores e promotores, processar "privativamente" em juízo autores de crimes, mediante o exercício de
uma atribuição que, entre os órgãos
estatais, é exclusiva da instituição.
Para isso, geralmente se vale o promotor ou o procurador de um inquérito policial, investigação prévia conduzida por um dos órgãos integrantes
do sistema de segurança pública do
Estado, que visa a proporcionar ao
membro do Ministério Público elementos mínimos que busquem assegurar a viabilidade de uma ação penal.
Contudo, nem sempre isso ocorre,
pois o inquérito policial não é imprescindível para o início de um processo
criminal. Várias vezes o procurador
ou o promotor tem acesso a provas
que lhe chegaram às mãos por outros
meios -enviadas por outro órgão estatal (ou anonimamente) ou, então,
extraídas de um outro processo-, suficientes para a apresentação, desde
já, de uma ação penal, dispensando a
instauração de um inquérito policial.
Em outros casos, o inquérito policial pode se apresentar inviável. É o
que se dá, por exemplo, quando o crime foi praticado em circunstâncias
tais que a investigação pela polícia se
mostra contraproducente.
Não é, infelizmente, incomum que
funcionários públicos encarregados
da segurança da população sejam
acusados da prática de delitos contra
a vida, a propriedade e o bem-estar do
povo. Como esperar, em casos assim,
que investigações realizadas por policiais contra policiais possam resultar
invariavelmente em apurações aptas
a apontar a verdade real?
É nessas e em outras circunstâncias
que deve ser possibilitada a outro órgão estatal a tarefa de investigar.
Seria absolutamente irrazoável que
o Ministério Público, sendo encarregado de denunciar os criminosos, não
pudesse, por si, realizar diligências investigatórias, se limitando a esperar
que sejam produzidas só pela polícia,
mesmo nas hipóteses em que isso se
mostre dispensável ou impraticável
ou haja, circunstancialmente, comprometimento de agentes estatais incumbidos da própria investigação.
A exclusividade da investigação criminal pela polícia não constitui, ademais, corolário dos princípios democráticos, que se expressam na indistinção das pessoas sujeitas às leis do
país. A regra republicana é que esse
poder de investigação seja partilhado
entre vários entes estatais, tal como
se dá, por exemplo, nos Estados Unidos, na Itália, na França, na Alemanha e em Portugal.
Espera o Ministério Público que o
STF pondere detidamente os argumentos em discussão nos dois processos que começará a julgar e reconheça, em benefício da população
brasileira e do fortalecimento do regime democrático, que o compartilhamento das funções de investigação
criminal entre vários órgãos do Estado é a solução que melhor se coaduna
com os interesses da Justiça.
RODRIGO CÉSAR REBELLO PINHO, 50, é procurador-geral de Justiça do Estado de São Paulo e presidente do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais do Ministério Público dos Estados e da União.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
Texto Anterior: Frases
Próximo Texto: Claudio Fonteles: Audiência pública sobre o início da vida
Índice
|