São Paulo, quinta-feira, 26 de abril de 2007

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O Ministério Público e a investigação criminal

RODRIGO CÉSAR REBELLO PINHO

Hoje o STF dará início ao julgamento de dois habeas corpus que interessam vivamente à sociedade brasileira

HOJE O Supremo Tribunal Federal dará início ao julgamento de dois habeas corpus que interessam vivamente à sociedade brasileira. O ministro Marco Aurélio, relator dos casos, apresentará seu voto na sessão marcada para esta tarde, e o plenário do tribunal começará a discutir se o Ministério Público tem ou não o poder de proceder diretamente a investigações criminais.
A questão não é pacífica, havendo, em essência, duas posições antagônicas. A primeira defende que somente a polícia pode investigar a prática de crimes. Isso se dá, de acordo com os partidários da tese, porque a Constituição teria assegurado à Polícia Federal a exclusividade do exercício das "funções de polícia judiciária da União" (art. 144, parágrafo 1º, IV), daí concluindo-se, portanto, que nenhum outro órgão estatal poderia partilhar desse poder -cabendo semelhante papel, nos Estados, às polícias civis, congêneres locais da instituição federal.
A segunda posição diverge da primeira na medida em que entende que a Constituição se limitou a esclarecer que, dentre os órgãos de segurança pública estatais mencionados no art. 144 -Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Polícia Ferroviária Federal, polícias civis e militares e corpos de bombeiros-, as "funções de polícia judiciária da União" são exclusivas da Polícia Federal, em detrimento das demais. Sendo assim, outros órgãos estatais, diversos dos integrantes do sistema de segurança pública -dentre os quais o Ministério Público-, teriam o poder de também investigar a prática de crimes.
O Ministério Público partilha dessa segunda posição, entendendo que pode investigar a ocorrência de crimes.
A Constituição declarou expressamente que o Ministério Público é o titular privativo da ação penal pública (art. 129, I), cabendo-lhe, por meio de procuradores e promotores, processar "privativamente" em juízo autores de crimes, mediante o exercício de uma atribuição que, entre os órgãos estatais, é exclusiva da instituição.
Para isso, geralmente se vale o promotor ou o procurador de um inquérito policial, investigação prévia conduzida por um dos órgãos integrantes do sistema de segurança pública do Estado, que visa a proporcionar ao membro do Ministério Público elementos mínimos que busquem assegurar a viabilidade de uma ação penal.
Contudo, nem sempre isso ocorre, pois o inquérito policial não é imprescindível para o início de um processo criminal. Várias vezes o procurador ou o promotor tem acesso a provas que lhe chegaram às mãos por outros meios -enviadas por outro órgão estatal (ou anonimamente) ou, então, extraídas de um outro processo-, suficientes para a apresentação, desde já, de uma ação penal, dispensando a instauração de um inquérito policial.
Em outros casos, o inquérito policial pode se apresentar inviável. É o que se dá, por exemplo, quando o crime foi praticado em circunstâncias tais que a investigação pela polícia se mostra contraproducente.
Não é, infelizmente, incomum que funcionários públicos encarregados da segurança da população sejam acusados da prática de delitos contra a vida, a propriedade e o bem-estar do povo. Como esperar, em casos assim, que investigações realizadas por policiais contra policiais possam resultar invariavelmente em apurações aptas a apontar a verdade real?
É nessas e em outras circunstâncias que deve ser possibilitada a outro órgão estatal a tarefa de investigar.
Seria absolutamente irrazoável que o Ministério Público, sendo encarregado de denunciar os criminosos, não pudesse, por si, realizar diligências investigatórias, se limitando a esperar que sejam produzidas só pela polícia, mesmo nas hipóteses em que isso se mostre dispensável ou impraticável ou haja, circunstancialmente, comprometimento de agentes estatais incumbidos da própria investigação.
A exclusividade da investigação criminal pela polícia não constitui, ademais, corolário dos princípios democráticos, que se expressam na indistinção das pessoas sujeitas às leis do país. A regra republicana é que esse poder de investigação seja partilhado entre vários entes estatais, tal como se dá, por exemplo, nos Estados Unidos, na Itália, na França, na Alemanha e em Portugal.
Espera o Ministério Público que o STF pondere detidamente os argumentos em discussão nos dois processos que começará a julgar e reconheça, em benefício da população brasileira e do fortalecimento do regime democrático, que o compartilhamento das funções de investigação criminal entre vários órgãos do Estado é a solução que melhor se coaduna com os interesses da Justiça.


RODRIGO CÉSAR REBELLO PINHO, 50, é procurador-geral de Justiça do Estado de São Paulo e presidente do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais do Ministério Público dos Estados e da União.

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