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Audiência pública sobre o início da vida
CLAUDIO FONTELES
A audiência evidenciou que à argumentação jurídica
se une outra, científica, a demonstrar que o início da vida se dá na fecundação
A SEXTA-FEIRA , 20 de abril de
2007, constituiu-se em marco
para a democracia.
O Supremo Tribunal Federal de
nosso país, pela decisão em tudo correta do ministro Carlos Ayres Britto,
relator de ação judicial, certamente
adequada à dimensão de conhecimento dessa Corte de Justiça, se
abriu plenamente à comunidade
científica, que, por cerca de oito horas, por vozes todas abalizadas, ofereceu à reflexão dos magistrados -e a
todos nós, assistentes atentos no auditório- razões e fundamentos, em
debate de alto nível, sobre o início da
vida humana.
Questão vital, pois, se a própria
Constituição Federal, no seu artigo
5º, preceitua ser "inviolável o direito à
vida", por óbvio a seus intérpretes
-que são exclusivamente as ministras e os ministros que compõem o
Supremo Tribunal Federal- convoca
a responder quando a vida inicia, a
que efetividade tenha o citado preceito constitucional.
Ganha a democracia, porque o Supremo Tribunal dialoga com importante segmento da sociedade brasileira -a comunidade científica-, assumindo a atitude de "tudo ponderar,
para reter o que é bom", quebrando o
isolamento, a solidão, o fechar-se em
si e, assim, no movimento-diálogo,
melhor cumprir a relevante missão
que lhe é confiada.
A audiência pública arruinou, por
outra linha de avaliação, o posicionamento daquelas e daqueles que diziam ter sido a motivação à propositura da ação direta de inconstitucionalidade calcada em posicionamento
moralista religioso de minha parte,
comprometendo o laicismo do Estado brasileiro.
Ajuizei, como procurador-geral da
República, essa ação judicial porque o
Ministério Público, "como voz da sociedade brasileira diante do Poder Judiciário", tem a magna atribuição de
trazer à claridade temas que resgatem
valores essenciais da convivência humana. Por aqui passa, também, a experiência democrática: o resgate de
valores maiores na construção diuturna da sociedade justa.
Quem quer que tivesse lido, de modo isento, tanto a petição inicial quanto a réplica que elaborei na ação proposta facilmente perceberia a construção, toda ela jurídica, de minha
fundamentação e, por tal razão, exposta à Suprema Corte.
Com efeito, toda a questão -e então digo por que estritamente jurídica- emerge do disposto no artigo 5º,
caput, da Constituição Federal de
1988, a dizer, "verbis":
"Artigo 5º: Todos são iguais perante
a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e
aos estrangeiros residentes no país a
inviolabilidade do direito à vida (...)".
Ora, se esse texto normativo constitucional prescreve o princípio da inviolabilidade do direito à vida, se impõe, para que tenha efetividade -pois
já longe está o tempo em que se consideravam os dispositivos constitucionais como meramente programáticos
ou de pura abstração-, que se defina
o momento inicial da vida humana.
Se tanto não se fizer, por óbvio cai
no vazio o princípio constitucional da
inviolabilidade da vida humana.
Impõe-se, portanto, a definição
constitucional da matéria.
Definição que não se pode fazer no
campo estritamente jurídico. Por isso, na petição da ação direta de inconstitucionalidade, apresentei, requerendo ao ministro relator, Carlos
Ayres Britto, nomes de cientistas para
que, em audiência pública, subsidiassem as magistradas e os magistrados
do Supremo Tribunal Federal com
dados objetivos à mais exata definição do assunto.
A sensibilidade, reitero, do ministro Carlos Ayres Britto, deferindo a
realização da audiência pública, propiciou que todos nós meditássemos e
conhecêssemos o tema em elevado
nível de intelecção, graças à abordagem competente e equilibrada dos
mais diversos expositores.
A audiência pública, de público, evidenciou que à linha de argumentação
jurídica que desenvolvi se une outra
linha, de motivação estritamente
científica, à demonstração da tese
posta: o início da vida se dá na fecundação.
CLAUDIO FONTELES, 60, mestre em direito pela UnB,
professor de direito processual penal do Instituto de Ensino Superior de Brasília, é subprocurador-geral da República. Foi procurador-geral da República de 2003 a 2005.
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