São Paulo, quinta-feira, 26 de abril de 2007

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Audiência pública sobre o início da vida

CLAUDIO FONTELES

A audiência evidenciou que à argumentação jurídica se une outra, científica, a demonstrar que o início da vida se dá na fecundação

A SEXTA-FEIRA , 20 de abril de 2007, constituiu-se em marco para a democracia. O Supremo Tribunal Federal de nosso país, pela decisão em tudo correta do ministro Carlos Ayres Britto, relator de ação judicial, certamente adequada à dimensão de conhecimento dessa Corte de Justiça, se abriu plenamente à comunidade científica, que, por cerca de oito horas, por vozes todas abalizadas, ofereceu à reflexão dos magistrados -e a todos nós, assistentes atentos no auditório- razões e fundamentos, em debate de alto nível, sobre o início da vida humana.
Questão vital, pois, se a própria Constituição Federal, no seu artigo 5º, preceitua ser "inviolável o direito à vida", por óbvio a seus intérpretes -que são exclusivamente as ministras e os ministros que compõem o Supremo Tribunal Federal- convoca a responder quando a vida inicia, a que efetividade tenha o citado preceito constitucional.
Ganha a democracia, porque o Supremo Tribunal dialoga com importante segmento da sociedade brasileira -a comunidade científica-, assumindo a atitude de "tudo ponderar, para reter o que é bom", quebrando o isolamento, a solidão, o fechar-se em si e, assim, no movimento-diálogo, melhor cumprir a relevante missão que lhe é confiada.
A audiência pública arruinou, por outra linha de avaliação, o posicionamento daquelas e daqueles que diziam ter sido a motivação à propositura da ação direta de inconstitucionalidade calcada em posicionamento moralista religioso de minha parte, comprometendo o laicismo do Estado brasileiro.
Ajuizei, como procurador-geral da República, essa ação judicial porque o Ministério Público, "como voz da sociedade brasileira diante do Poder Judiciário", tem a magna atribuição de trazer à claridade temas que resgatem valores essenciais da convivência humana. Por aqui passa, também, a experiência democrática: o resgate de valores maiores na construção diuturna da sociedade justa. Quem quer que tivesse lido, de modo isento, tanto a petição inicial quanto a réplica que elaborei na ação proposta facilmente perceberia a construção, toda ela jurídica, de minha fundamentação e, por tal razão, exposta à Suprema Corte. Com efeito, toda a questão -e então digo por que estritamente jurídica- emerge do disposto no artigo 5º, caput, da Constituição Federal de 1988, a dizer, "verbis": "Artigo 5º: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida (...)".
Ora, se esse texto normativo constitucional prescreve o princípio da inviolabilidade do direito à vida, se impõe, para que tenha efetividade -pois já longe está o tempo em que se consideravam os dispositivos constitucionais como meramente programáticos ou de pura abstração-, que se defina o momento inicial da vida humana. Se tanto não se fizer, por óbvio cai no vazio o princípio constitucional da inviolabilidade da vida humana. Impõe-se, portanto, a definição constitucional da matéria.
Definição que não se pode fazer no campo estritamente jurídico. Por isso, na petição da ação direta de inconstitucionalidade, apresentei, requerendo ao ministro relator, Carlos Ayres Britto, nomes de cientistas para que, em audiência pública, subsidiassem as magistradas e os magistrados do Supremo Tribunal Federal com dados objetivos à mais exata definição do assunto.
A sensibilidade, reitero, do ministro Carlos Ayres Britto, deferindo a realização da audiência pública, propiciou que todos nós meditássemos e conhecêssemos o tema em elevado nível de intelecção, graças à abordagem competente e equilibrada dos mais diversos expositores.
A audiência pública, de público, evidenciou que à linha de argumentação jurídica que desenvolvi se une outra linha, de motivação estritamente científica, à demonstração da tese posta: o início da vida se dá na fecundação.


CLAUDIO FONTELES, 60, mestre em direito pela UnB, professor de direito processual penal do Instituto de Ensino Superior de Brasília, é subprocurador-geral da República. Foi procurador-geral da República de 2003 a 2005.

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