São Paulo, segunda, 26 de maio de 1997.



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UM PACTO INUSITADO

São no mínimo surpreendentes os dados da pesquisa Datafolha publicada ontem no caderno Mais! sobre o grau de satisfação de 2.689 pessoas em relação a determinados aspectos de suas vidas privada e pública.
Em flagrante contraste com as precárias condições materiais em que vive a maioria dos brasileiros, percentagens significativas dos entrevistados (75% dos quais com renda familiar inferior a dez salários mínimos) compõem um panorama compatível com o que se esperaria de uma enquete similar em países de Primeiro Mundo. É mesmo provável que o maior nível de politização dos europeus, por exemplo, produzisse opiniões bem menos otimistas.
Nada menos que 65% se dizem satisfeitos com a própria vida. Para 43%, não há país melhor que o Brasil, 81% estão felizes por terem nascido aqui e apenas 18% consideram infelizes seus conterrâneos. No trabalho, 61% estão contentes com o que fazem, somente 29% estão infelizes com o salário que ganham e 69% têm tempo suficiente para lazer. Por fim, só 37% afirmam estar infelizes com a condução política do país.
É claro que, quando se trata de "felicidade" ou satisfação pessoal, adentra-se inevitavelmente pelo impreciso e flexível universo da subjetividade, cujas razões, parafraseando o filósofo Pascal, são quase sempre desconhecidas. Pode-se supor também, de um ponto de vista psicológico, que as respostas denotem antes uma fé na busca da felicidade do que a concretização da mesma.
Talvez mais exato seja supor que a pesquisa corrobora a clássica cisão entre o público e privado no Brasil, bem como o individualismo de muitos brasileiros. O que é bom para cada um por vezes tem se distanciado radicalmente do que deveria ser bom para todos. E não faltam exemplos históricos dessa triste cisão.
Por fim, num país em que tanto já se falou (e ainda há quem fale) de "pacto social", talvez esteja se criando um "pacto das subjetividades" dispostas a tornar aceitável aquilo que muitas vezes, aos olhos dos observadores internacionais, extrapola os limites do suportável. Boa notícia para uns, má para outros.



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