São Paulo, sábado, 26 de junho de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O governo saiu enfraquecido da votação do salário mínimo?

NÃO

A amplitude de uma vitória

PROFESSOR LUIZINHO

Pergunta-me a Folha se o governo sai enfraquecido da disputa em torno do salário mínimo. Afirmo que não; ao contrário, sai muito fortalecido. Sob todos os aspectos. Vamos a eles.
Do ponto de vista da política econômica, houve mais um sinal claro de que o presidente Lula não tolerará o descontrole das contas públicas. Sabe que isso significaria desconfiança, juros altos, recessão e desemprego. Isto é, o reverso de tudo o que se construiu até aqui. Fazer aventuras neste momento, ainda mais num ponto sensível como o salário mínimo, seria uma demagogia econômica e financeira com a qual o governo não compartilharia e não compartilhará jamais. Porque desconfiança, juros altos, recessão e desemprego sempre vêm junto com a inflação. Quem paga a conta no final é a classe mais pobre. O presidente Lula, seus ministros e aliados no Congresso não permitirão nova exibição desse triste filme no Brasil.
Há mais.
Sabemos que cada R$ 1 acrescido ao salário mínimo se desdobra em R$ 214 milhões em despesas do INSS. Ou seja, se o valor demagógico de R$ 275 prevalecesse, de imediato o governo teria de remanejar R$ 3,2 bilhões do Orçamento. O PFL propunha tirá-los do programa de reforma agrária. Que tal?
Havia também a alternativa de pegá-los dos investimentos públicos. Talvez haja quem pense que a infra-estrutura do Brasil não precisa de reparos ou de ampliação. O governo discorda dessa opinião. Acredita que os investimentos são pressupostos do crescimento robusto, sustentável por anos e anos, do tipo que acolhe a todos os que buscam trabalho, que propicia renda e desenvolve o país. Acha também que há poucos recursos como esses disponíveis e que seria temerário reduzi-los agora.
No meio da disputa política, apareceram duas propostas engraçadas. A de que se reduzisse o ajuste fiscal e a de que se usasse pretensos excessos de arrecadação para bancar um maior reajuste do mínimo. Como o ajuste fiscal serve justamente para reduzir mais rapidamente o endividamento público e o tal excesso de arrecadação não é algo consolidado -apenas um surto circunstancial, por causa das mudanças de regra do PIS/Cofins-, tais idéias podem ser comparadas às de um amigo que sugere a outro, em tom de genialidade: "Atira no teu pé esquerdo, depois atira no direito e sai correndo". Típico da oposição demagógica que aflorou nos últimos dias.
Do ponto de vista da política social, houve nova solução engenhosa do governo Lula. A despeito de conceder mais um reajuste acima da inflação, o que dá ao mínimo o maior poder de compra experimentado desde 1993, de acordo com o ICV (Índice do Custo de Vida), do Dieese, buscou-se aumentar a proteção social às famílias pobres mais numerosas. Para tanto, reajustou-se o salário-família, de modo que um chefe de família com três filhos receberá R$ 320, mais do que os US$ 100 usados como base por célebres representantes da oposição.
Há mais ainda.
Da perspectiva da operação política, houve claríssima demonstração de habilidade. O governo se viu encrencado por conta de uma disputa localizada no Senado. Mostrou que, uma vez diante de um problema, sabe se livrar dele rapidamente, sem colocar em xeque nenhum dos pilares de suas políticas.
Por curiosa coincidência, tudo isso ocorre no momento em que começam a sair os dados que nos permitem apontar para um futuro mais promissor, justamente em razão das políticas postas em prática desde janeiro de 2003. A economia cresce com vigor há três trimestres. Se se mantiver o ritmo, chegaremos ao fim do ano comemorando avanço de 6% do PIB! Nos últimos cinco meses brotaram 827 mil empregos com carteira assinada. A taxa de desemprego começou a cair. Houve aumento de R$ 9 bilhões nas transferências sociais, quais sejam, o dinheiro dos impostos posto pelo governo diretamente no bolso dos pobres e miseráveis assistidos pela Previdência Social -o que poderíamos chamar de "injeção de transferência de renda" na veia no Brasil.
Peço licença para recapitular: se o governo mostrou energia ímpar em defesa da responsabilidade fiscal, preocupação concreta com o crescimento, zelo pelas contas públicas, criatividade e bom desempenho na política social, habilidade e agilidade na operação política, tudo isso na mesmíssima matéria do salário mínimo, sinceramente, não sei como se pode pensar que perdeu algo em qualquer perspectiva.
O presidente Lula definitivamente sai dessa história mais forte do que entrou. E, com ele, todo o seu governo.


Luiz Carlos da Silva, o Professor Luizinho, 49, deputado federal pelo PT-SP, é o líder do governo na Câmara dos Deputados.


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