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JOÃO SAYAD
O Japão
O CICLO menstrual das coelhas da Índia e das mulheres
é regulado pelo cheiro. Coelhinhas que vivem na mesma gaiola
e meninas que compartilham o
mesmo dormitório acabam tendo
ciclos sincrônicos. O olfato se desenvolveu muito cedo na história
de evolução dos mamíferos.
De vez em quando, o homem racional ainda sente saudades pelo
nariz. Cheiro de frutas na sala de
jantar escura e fresca num dia de
verão-saudades da casa da minha
avó. Os Estados Unidos cheiram a
ar-condicionado, tapete e móveis
de couro- cheiro de limpeza cortado pelo aroma da batata frita e da
cebola do hambúrguer. Em Paris,
de manhã, somos atacados pelo
cheiro enjoativo do "fond" da cozinha francesa. O Brasil cheira a
umidade e a maresia, que, na hora
do almoço, desaparecem sob o
cheiro gostoso do feijão refogado
com alho.
No Japão, nada tem cheiro. Não
se usam perfumes, pois invadem,
sem permissão, o nariz alheio. Lojas de luxo vendem peixe fresco
sem cheiro nenhum, junto com
roupas e jóias.
O Japão está saindo de uma crise
de 20 anos. Parou de crescer nos
anos 80, depois da valorização do
iene, acertada com os Estados Unidos, e de um processo de especulação imobiliária. De qualquer forma, continua sendo um dos países
mais ricos do mundo. Agora, volta a
crescer.
Por 20 anos, o mundo reclamou
da demora em "reformar" as tradições japonesas-estabilidade no
emprego, acordos entre os conglomerados e coordenação governamental de investimentos.
Finalmente, o Japão foi reformado. Hoje, o japonês enfrenta insegurança no emprego e desemprego. A distribuição de renda piorou. O número de pobres aumentou. Tóquio, cidade segura, já tem
bairros pobres que não devem ser
visitados por estrangeiros. Virou
um país normal -desemprego,
Exército, rivalidade com a China e
problemas de imigração. A globalização invadiu o Japão como um
perfume desagradável que não respeita lugar nenhum.
A dúvida sobre um segundo
mandato para o atual governo brasileiro é se terá apoio parlamentar
para aprovar reformas, inclusive
no mercado de trabalho, que tornem o Brasil mais competitivo.
Não temos que nos preocupar. O
país sofre há tempo com o capitalismo globalizado. Com ou sem reforma, já temos uma das piores distribuições de renda do mundo, desemprego elevado, pobreza e criminalidade. Não precisamos dessas reformas. Bastaria reduzir a taxa de juros, manter o superávit primário e comprar dólares para desvalorizar o real. É a reforma necessária para aumentar o emprego. E
quem sabe, um dia, realmente ganhar do Japão.
@ - jsayad@attglobal.net
JOÃO SAYAD escreve às segundas nesta coluna.
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