São Paulo, segunda-feira, 26 de junho de 2006

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JOÃO SAYAD

O Japão

O CICLO menstrual das coelhas da Índia e das mulheres é regulado pelo cheiro. Coelhinhas que vivem na mesma gaiola e meninas que compartilham o mesmo dormitório acabam tendo ciclos sincrônicos. O olfato se desenvolveu muito cedo na história de evolução dos mamíferos.
De vez em quando, o homem racional ainda sente saudades pelo nariz. Cheiro de frutas na sala de jantar escura e fresca num dia de verão-saudades da casa da minha avó. Os Estados Unidos cheiram a ar-condicionado, tapete e móveis de couro- cheiro de limpeza cortado pelo aroma da batata frita e da cebola do hambúrguer. Em Paris, de manhã, somos atacados pelo cheiro enjoativo do "fond" da cozinha francesa. O Brasil cheira a umidade e a maresia, que, na hora do almoço, desaparecem sob o cheiro gostoso do feijão refogado com alho.
No Japão, nada tem cheiro. Não se usam perfumes, pois invadem, sem permissão, o nariz alheio. Lojas de luxo vendem peixe fresco sem cheiro nenhum, junto com roupas e jóias.
O Japão está saindo de uma crise de 20 anos. Parou de crescer nos anos 80, depois da valorização do iene, acertada com os Estados Unidos, e de um processo de especulação imobiliária. De qualquer forma, continua sendo um dos países mais ricos do mundo. Agora, volta a crescer.
Por 20 anos, o mundo reclamou da demora em "reformar" as tradições japonesas-estabilidade no emprego, acordos entre os conglomerados e coordenação governamental de investimentos.
Finalmente, o Japão foi reformado. Hoje, o japonês enfrenta insegurança no emprego e desemprego. A distribuição de renda piorou. O número de pobres aumentou. Tóquio, cidade segura, já tem bairros pobres que não devem ser visitados por estrangeiros. Virou um país normal -desemprego, Exército, rivalidade com a China e problemas de imigração. A globalização invadiu o Japão como um perfume desagradável que não respeita lugar nenhum.
A dúvida sobre um segundo mandato para o atual governo brasileiro é se terá apoio parlamentar para aprovar reformas, inclusive no mercado de trabalho, que tornem o Brasil mais competitivo.
Não temos que nos preocupar. O país sofre há tempo com o capitalismo globalizado. Com ou sem reforma, já temos uma das piores distribuições de renda do mundo, desemprego elevado, pobreza e criminalidade. Não precisamos dessas reformas. Bastaria reduzir a taxa de juros, manter o superávit primário e comprar dólares para desvalorizar o real. É a reforma necessária para aumentar o emprego. E quem sabe, um dia, realmente ganhar do Japão.
@ - jsayad@attglobal.net


JOÃO SAYAD escreve às segundas nesta coluna.


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