São Paulo, segunda-feira, 26 de junho de 2006 |
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Armas pequenas, grandes estragos
FRANÇOIS BUGNION
TODOS OS ANOS, milhares de civis são mortos, feridos, sofrem abusos sexuais ou são expulsos de suas casas sob a mira de uma arma. A proliferação de fuzis, morteiros e outras armas pequenas e armamentos leves de uso militar faz com que os já devastadores ataques contra os civis tornem-se ainda mais letais. Nos inúmeros conflitos onde atuamos, é comum ver fuzis oferecidos nos mercados a preços mais baixos do que o da própria comida. Há dez anos, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) foi chamado pelos Estados Partes das Convenções de Genebra para avaliar o impacto da disponibilidade de armas sobre o sofrimento dos civis em situações de conflito armado. Com base em sua experiência, a organização concluiu que a proliferação de armas altamente letais nas mãos de novos e indisciplinados atores terminava por aumentar o sofrimento da população civil e as violações às normas aplicáveis na guerra. Em 2001, a ONU promoveu a primeira conferência global para discutir esse problema, adotando o Programa de Ação sobre Armas Pequenas e Armamento Leve, que impunha aos governos uma série de compromissos relacionados ao melhor controle sobre essas armas. Progressos foram alcançados desde a adoção desse instrumento, melhorando a supervisão dos governos sobre o tema e desenvolvendo "códigos de conduta" sobre a transferência de armas e a adoção de acordos para facilitar o rastreamento global de armas ilegais. Os esforços da ONU também motivaram uma série de projetos práticos, como a coleta e destruição de armas ilegais, mas ainda não está claro se a iniciativa melhorou a situação na prática ou se, pelo menos, reduziu a disponibilidade de armas ilícitas. Neste mês de junho, os Estados estarão novamente reunidos em Nova York para fazer a revisão do Programa de Ação da ONU e determinar o que ainda precisa ser feito. Tendo em vista a escalada desse problema global e seu terrível impacto sobre as vidas humanas, os Estados devem vir à Conferência de Revisão preparados para assumir compromissos legais e medidas mais abrangentes. Do ponto de vista do CICV, os Estados deveriam, primeiro, estabelecer regras claras sobre em quais situações a transferência internacional de armas não poderia ser aprovada. Essas regras deveriam explicitar a proibição à transferência de armas sempre que elas possam ser usadas para cometer sérias violações ao Direito Internacional Humanitário. Transferir armas sabendo que essa violação potencial possa existir é incompatível com o compromisso que os Estados têm em assegurar o respeito a essas normas. Segundo, existe a necessidade urgente de desenvolver medidas nacionais e internacionais robustas que previnam o tráfico ilegal de armas. Mesmo quando os comerciantes ilegais chegam a ser identificados nominalmente, eles conseguem continuar com suas atividades impunemente, já que operam simplesmente num vácuo legal, tirando vantagem das omissões, ambigüidades e incoerências dos controles nacionais. Terceiro, dar ênfase ao controle da disponibilidade de munições, o que poderia resultar numa redução ainda maior e imediata da violência e do sofrimento humano, em comparação com o controle exclusivo de armas. Quarto, a importância de medidas complementares que reduzam o uso de armas nas violações ao Direito Internacional Humanitário deve ser destacada. Armas pequenas e armamentos leves têm usos legítimos, incluindo a defesa nacional e a aplicação da lei, mas esforços maiores devem ser empreendidos para assegurar que as normas internacionais que regulam seu uso sejam mais bem conhecidas, aplicadas e respeitadas. Quinto, os fatores que alimentam a demanda por armas pequenas e armamento leve devem ser mais bem compreendidos e combatidos. Deve ser dada maior atenção ao desenvolvimento de estratégias mais abrangentes de prevenção da violência. Graves violações às normas da guerra, atos de genocídio, deslocamentos populacionais forçados e outras afrontas à humanidade devem ser universalmente condenados, sempre que ocorram. As armas pequenas e os armamentos leves estão entre as ferramentas preferidas dos que cometem essas violações. Com a chegada da Conferência de Revisão sobre Armas Pequenas, os Estados poderão assumir compromissos importantes para prevenir atos como esses, apoiando medidas mais fortes e mais determinantes no controle de armas pequenas de uso militar, tanto nacional quanto internacionalmente. A vida de inúmeras pessoas depende disso. FRANÇOIS BUGNION é diretor de Direito Internacional do CICV (Comitê Internacional da Cruz Vermelha) em Genebra. Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Plinio Castrucci: O regime de metas Índice |
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