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JOSÉ SARNEY
A mulher no islã
OS PROTESTOS sobre o resultado das eleições no Irã
mostraram a face de um dos
mais dolorosos tratamentos impostos à mulher, que, baseados em
motivos religiosos, varre os países
islâmicos e a sujeita a uma situação
de inferioridade que atinge brutalmente os direitos humanos.
Já contei uma vez, nesta coluna,
que Antonio Alçada Baptista, grande escritor português que morreu
no ano passado, certa vez, conversando comigo em Lisboa, dava graças a Deus por ter nascido português. Dizia que achava isso um privilégio que o Criador lhe tinha deferido e acrescentava com humor:
"Calcule se ele me tivesse feito mulher no Afeganistão".
Os talibãs
eram radicais em relação ao uso da
burca, aquele cárcere de pano que
prende o corpo e a face das mulheres, sem que possam mostrar nem
sequer a forma dos pés.
Outros países vão à mutilação do
clitóris para que a mulher seja apenas um repositório do sêmen do
homem. No Irã, são legalmente
consideradas cidadãs de segunda
classe, que nem sequer têm direito
à guarda dos filhos e são obrigadas
pela sharia (a lei islâmica) a usar
uma bata que lhe esconda os contornos do corpo, além de terem de
cobrir a cabeça e usar o véu. Tudo
isso as transforma em escravas
sujeitas a todos os tipos de tratamento desumano.
Estive em Teerã, de passagem
apenas pelo aeroporto, há mais de
30 anos, com Tancredo e Nelson
Carneiro, quando íamos a uma
conferência da Interparlamentar
no Sri Lanka. A cidade é cercada de
montanhas, muito seca, sem nenhuma umidade e dá uma sensação de aridez. É tão grande esse clima de opressão causado pela secura que, quando o aiatolá Khomeini
morreu, em seu sepultamento a
multidão de milhões de pessoas foi
constantemente aspergida por helicópteros especializados em incêndios, que jogavam água sobre
ela -e nem assim conseguiram
evitar muitos mortos.
Agora surgiu na campanha eleitoral um candidato, Mousavi, que
revolucionou tudo. Comparecia
aos comícios com sua mulher, Zahra Rahnavard. Transformou-se logo no homem que valorizava a mulher. Seu cartaz dizia: "Mousavi,
igualdade". Esta palavra, igualdade, ficou logo associada à causa
feminista.
Agora, os protestos violentos que
enchem as ruas de Teerã contra a
fraude eleitoral têm como vanguarda sempre mais mulheres. Jovens de todas as idades. E o símbolo desse protesto passa a ser Neda,
uma mulher morta pela milícia fanática dos aiatolás, basiysí. Seu rosto ensanguentado foi mostrado em
todo o mundo. Seu sangue sem dúvida vai motivar mais ainda a libertação da mulher iraniana.
Isso mostra que nem as mais
cruéis tiranias, mesmo as teocráticas, resistem às ideias de liberdade
e igualdade.
jose-sarney@uol.com.br
JOSÉ SARNEY escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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