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Rotina do desastre
Nas enchentes do Nordeste, o que há de imprevisto em toda catástrofe natural não esconde as conhecidas omissões do poder público
Cenas dramáticas, que sem
grande exagero poderiam ter-se
verificado na recente catástrofe do
Haiti, ocorrem em Pernambuco e
Alagoas, depois das chuvas das
últimas semanas. Em Palmares, a
129 km de Recife, dezenas de pessoas reviram o lodo em busca de
comida. A cidade, de 59 mil habitantes, só conta com um ponto de
abastecimento de água potável.
Em União dos Palmares, a 80
km de Maceió, as ruínas são saqueadas durante a noite; disputa-se fisicamente a posse de coisas
como um simples botijão de gás.
Totalmente destruída, a cidade
de Branquinha (AL) haverá de
simplesmente ser refundada em
lugar mais alto, se vingarem os
planos da prefeitura local. Pertences dos desabrigados de Pernambuco e Alagoas, de computadores
a álbuns de família, são encontrados nas praias da Paraíba. Há 154
mil desabrigados.
Catástrofes naturais ocorrem
em toda parte, e não há como prever de modo absolutamente confiável o seu grau de violência.
Nem tudo era imprevisível, todavia, na tragédia nordestina.
Quebrangulo, Moreno, Escada,
Primavera: desde 2003, essas cidades sofrem pela terceira vez
com as enchentes do inverno.
Trinta por cento das cidades agora
afetadas já enfrentaram o mesmo
problema nos últimos sete anos.
Mesmo assim, pelo menos 15
das cidades alagoanas atingidas
pelas chuvas não contavam com
órgãos de defesa civil.
O Estado de Pernambuco não
dispõe de radar meteorológico,
tornando-se impossível identificar com antecedência o local preciso de uma tempestade. Foi, em
todo caso, pelo aviso dos sinos de
uma igreja que os habitantes de
Barreiros (PE) puderam refugiar-se, horas antes do desastre.
Seria excessivo acusar de demagogia eleitoral a visita feita pelo
presidente Lula aos municípios
atingidos. Liberam-se verbas,
agora, com máxima urgência para
os Estados de Pernambuco e Alagoas; não poderia ser outro o comportamento das autoridades.
Poderia ter sido outra, contudo,
a atitude do governo federal quando decidiu alocar em um único Estado, a Bahia, quase metade das
verbas destinadas a prevenir catástrofes desse tipo.
À frente do ministério responsável pela decisão estava o peemedebista Geddel Vieira Lima, candidato ao governo baiano nas próximas eleições. De 2003 a 2009, a
Bahia registrou 431 casos de emergência devidos a circunstâncias
climáticas. Foram 542 em Pernambuco -que recebeu, em 2009, menos de 4% dos recursos federais
de prevenção, contra os mais de
48% destinados à Bahia. Alagoas
nada recebeu. Já não era muito,
em todo caso: R$ 70 milhões estavam reservados para situações
desse tipo no orçamento.
Entre lágrimas e vivas, o presidente Lula agora anuncia R$ 550
milhões para a recuperação das cidades devastadas. De normas para a preservação ambiental a planos racionais de ocupação urbana, é entretanto incalculável o
quanto há a ser feito, em qualquer
Estado do país, para que o imprevisível não faça parte, como hoje,
da mais cruel rotina.
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