São Paulo, sábado, 26 de junho de 2010

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Rotina do desastre

Nas enchentes do Nordeste, o que há de imprevisto em toda catástrofe natural não esconde as conhecidas omissões do poder público

Cenas dramáticas, que sem grande exagero poderiam ter-se verificado na recente catástrofe do Haiti, ocorrem em Pernambuco e Alagoas, depois das chuvas das últimas semanas. Em Palmares, a 129 km de Recife, dezenas de pessoas reviram o lodo em busca de comida. A cidade, de 59 mil habitantes, só conta com um ponto de abastecimento de água potável.
Em União dos Palmares, a 80 km de Maceió, as ruínas são saqueadas durante a noite; disputa-se fisicamente a posse de coisas como um simples botijão de gás.
Totalmente destruída, a cidade de Branquinha (AL) haverá de simplesmente ser refundada em lugar mais alto, se vingarem os planos da prefeitura local. Pertences dos desabrigados de Pernambuco e Alagoas, de computadores a álbuns de família, são encontrados nas praias da Paraíba. Há 154 mil desabrigados.
Catástrofes naturais ocorrem em toda parte, e não há como prever de modo absolutamente confiável o seu grau de violência.
Nem tudo era imprevisível, todavia, na tragédia nordestina. Quebrangulo, Moreno, Escada, Primavera: desde 2003, essas cidades sofrem pela terceira vez com as enchentes do inverno. Trinta por cento das cidades agora afetadas já enfrentaram o mesmo problema nos últimos sete anos.
Mesmo assim, pelo menos 15 das cidades alagoanas atingidas pelas chuvas não contavam com órgãos de defesa civil.
O Estado de Pernambuco não dispõe de radar meteorológico, tornando-se impossível identificar com antecedência o local preciso de uma tempestade. Foi, em todo caso, pelo aviso dos sinos de uma igreja que os habitantes de Barreiros (PE) puderam refugiar-se, horas antes do desastre.
Seria excessivo acusar de demagogia eleitoral a visita feita pelo presidente Lula aos municípios atingidos. Liberam-se verbas, agora, com máxima urgência para os Estados de Pernambuco e Alagoas; não poderia ser outro o comportamento das autoridades.
Poderia ter sido outra, contudo, a atitude do governo federal quando decidiu alocar em um único Estado, a Bahia, quase metade das verbas destinadas a prevenir catástrofes desse tipo.
À frente do ministério responsável pela decisão estava o peemedebista Geddel Vieira Lima, candidato ao governo baiano nas próximas eleições. De 2003 a 2009, a Bahia registrou 431 casos de emergência devidos a circunstâncias climáticas. Foram 542 em Pernambuco -que recebeu, em 2009, menos de 4% dos recursos federais de prevenção, contra os mais de 48% destinados à Bahia. Alagoas nada recebeu. Já não era muito, em todo caso: R$ 70 milhões estavam reservados para situações desse tipo no orçamento.
Entre lágrimas e vivas, o presidente Lula agora anuncia R$ 550 milhões para a recuperação das cidades devastadas. De normas para a preservação ambiental a planos racionais de ocupação urbana, é entretanto incalculável o quanto há a ser feito, em qualquer Estado do país, para que o imprevisível não faça parte, como hoje, da mais cruel rotina.


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