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TENDÊNCIAS/DEBATES
Pode o Judiciário autorizar escutas das
conversas entre presos e seus advogados?
NÃO
Sigilo é essencial para o Estado de Direito
ALBERTO ZACHARIAS TORON
"Quem cede sua liberdade em
troca de um pouco de segurança
não merece nem liberdade nem segurança" (Benjamin Franklin).
É falsa a ideia de que o "o poder
público tem o direito e o dever de
dispor de todos os meios legais para
combater a criminalidade", como
sustentou em nota a Associação
dos Juízes Federais.
Fosse assim, seria o caso de se
perguntar por que não se utilizar da
tortura como meio de se descobrir o
crime. Ou, na mesma linha, por que
não se utilizar de provas ilícitas no
exercício da repressão?
Se o respeito às garantias constitucionais ou a proteção ao sigilo
profissional for compreendido como sinônimo de frouxidão na repressão, melhor será deixarmos o
Estado de Direito para trás.
Ou bem se entende que as garantias individuais compõem um sistema que limita a ação repressiva do
Estado, sendo, portanto, de igual
relevância quando cotejadas com
os mecanismos de defesa social, ou
as garantias serão meramente nominais, isto é, despidas de qualquer eficácia.
O dever de sigilo imposto a profissionais como advogados, médicos, psicólogos e sacerdotes resguarda a intimidade do cliente.
No caso específico dos advogados, porém, há algo tão ou mais importante do que isso: a própria correção da administração da Justiça
está em causa.
Em outras palavras, o direito ao
devido processo legal não se realiza
se não houver liberdade e segurança na privacidade da conversa, de
modo que o investigado ou acusado possa se manifestar com franqueza e sem temores, o que, convenha-se, é essencial ao pleno exercício do direito de defesa.
Não por acaso, o dever de sigilo
imposto ao advogado tanto pela lei
nº 8.096/94 como pelo Código de
Ética Profissional é central no exercício da profissão. Inclusive a sua
quebra indevida é incriminada pelo
artigo 154 do Código Penal.
Se, por um lado, o sigilo é imposto como dever, por outro a citada lei
estabelece ser direito do advogado
"comunicar-se com seus clientes
pessoal e reservadamente, (...),
quando estes se acharem presos,
detidos ou recolhidos em estabelecimentos civis ou militares, ainda
que considerados incomunicáveis"
(art. 7º, inciso III).
Sobre o tema, o Tribunal de Primeira Instância da União Europeia
afirmou: "O princípio da confidencialidade das comunicações entre
advogados e clientes constitui um
complemento necessário ao pleno
exercício dos direitos de defesa",
pois "responde à exigência de que
todo cidadão deve ter a possibilidade de se dirigir com toda a liberdade ao seu advogado".
Esse princípio está assim intimamente ligado à concepção do papel
do advogado, considerado um colaborador da Justiça que, para
atuar com eficácia, necessita ter liberdade ao conversar com seu
cliente, sobretudo quando preso.
Daí o interesse público em assegurar plenamente que todo cliente tenha a possibilidade de se dirigir ao
seu advogado sem intromissões.
A Corte Europeia de Direitos Humanos, indo além, entendeu que o
segredo profissional representa um
capítulo dos direitos humanos,
pois a sua violação normalmente
envolve a quebra do direito a um
julgamento justo e o direito à privacidade. Numa sociedade democrática, esses são direitos inalienáveis
("Niemitz v. Germany -1992-351").
É preocupante verificar que um
juiz federal, justamente aquele incumbido de zelar pelas garantias
individuais, venha a feri-las.
Defender a impossibilidade de
grampear as conversas entre presos
e seus advogados é, como diz o ministro do STF Marco Aurélio, o preço que pagamos por viver numa democracia. Preço módico!
ALBERTO ZACHARIAS TORON, doutor em direito
pela USP, é advogado. Foi diretor do Conselho
Federal da OAB e presidente do Instituto Brasileiro
de Ciências Criminais.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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