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Resolução da crise federativa
ARNO AUGUSTIN
Uma parte importante dos problemas
tributários que o Brasil vivencia decorre da existência de um conflito federativo. O governo federal vem implementando uma política de recentralização
de receitas, com efeitos sobre a capacidade de prestação de serviços públicos
pelas demais esferas de governo e sobre
a própria atividade econômica.
Um exemplo é o processo de crescimento dos impostos cumulativos, que
eram pouco mais de 1% do Produto Interno Bruto há uma década e hoje se
aproximam de 4,3% do PIB. Essa forma
de tributar incide nas sucessivas fases
da atividade econômica, sendo, portanto, causadora de desemprego e recessão. A opção pelo incremento dessas
contribuições decorre do fato de que
elas não precisam ser divididas com Estados e municípios. A arrecadação da
Cofins, da CPMF e do PIS/Pasep já chega a R$ 34 bilhões, aproximando-se do
total da receita disponível dos mais de
5.000 municípios brasileiros.
Assim, é um erro imaginar que se
possa fazer uma verdadeira reforma
tributária sem tratar da distribuição
dos encargos e das receitas nas três esferas de governo. Até no que se refere à
parte estritamente econômica da tributação já se evidenciam prejuízos importantes, decorrentes do aumento de
tributação cumulativa, para escapar da
disputa federativa. Muitos empregos já
foram perdidos por isso.
É da essência da democracia que um
debate constitucional sobre reforma
tributária inclua a distribuição dos
quase 30% do PIB de que o setor público se apropria. Hoje, há uma crise na
Federação brasileira. A Lei Kandir retira recursos importantes de Estados e
municípios, estimados pela própria
União em R$ 4 bilhões anuais, e não os
compensa integralmente. O FEF retém
das esferas subnacionais recursos da
ordem de R$ 1,5 bilhão/ano. As desonerações de IPI e IR subtraem R$ 5 bilhões de Estados e municípios anualmente. Como resultado, a participação
da União cresceu, entre 97 e 98, de
57,5% para 59,1% do total arrecadado
no país, enquanto a dos outros entes
federados caiu de 42,5% para 40,9%.
A guerra fiscal é admitida como norma e até incentivada. Os lamentáveis
episódios envolvendo a entrega, pelos
Estados, de dinheiro público para
atrair montadoras chegaram a um ponto em que o próprio governo federal
abre mão da condição de neutralidade
e intervém ativamente, com recursos
de todos os brasileiros, para privilegiar
um Estado em detrimento de outro.
A solução para a guerra fiscal não é,
portanto, a extinção das competências
tributárias das esferas subnacionais,
como ocorreria com a transferência do
ICMS para o governo federal, ainda
que travestida sob o formato moderno
de um IVA partilhado. Isso só ampliaria o conflito federativo e não impediria
a continuidade de um processo de
guerra fiscal. Esta será resolvida com a
existência e o cumprimento de regras
constitucionais precisas, que resolvam
os conflitos federativos e regionais, ao
lado de uma política industrial e de desenvolvimento econômico regional.
As experiências de democratização
existentes no país, como é o caso do
orçamento participativo, demonstram
melhoria da eficiência e resultados fiscais animadores. A Prefeitura de Porto
Alegre, por exemplo, saiu de um déficit
de mais de 35% e de um gasto com pessoal de 98% para uma situação de equilíbrio fiscal, alcançado por meio do aumento da receita própria. Este, por sua
vez, possibilitou uma redução do gasto
com pessoal de mais de 30 pontos percentuais, após dez anos de participação
popular. Graças a experiências como
essa, há um reconhecimento internacional de que o gasto público é mais
eficiente quando feito nas esferas mais
próximas da população. Assim, o sentido já existente na Constituição de 1988
-passar receitas e encargos a Estados e
municípios- deve ser ampliado na reforma fiscal de que o país precisa.
Arno Augustin Filho, 38, economista, é secretário da
Fazenda do Rio Grande do Sul.
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