São Paulo, Sábado, 26 de Junho de 1999
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Resolução da crise federativa

ARNO AUGUSTIN

Uma parte importante dos problemas tributários que o Brasil vivencia decorre da existência de um conflito federativo. O governo federal vem implementando uma política de recentralização de receitas, com efeitos sobre a capacidade de prestação de serviços públicos pelas demais esferas de governo e sobre a própria atividade econômica.
Um exemplo é o processo de crescimento dos impostos cumulativos, que eram pouco mais de 1% do Produto Interno Bruto há uma década e hoje se aproximam de 4,3% do PIB. Essa forma de tributar incide nas sucessivas fases da atividade econômica, sendo, portanto, causadora de desemprego e recessão. A opção pelo incremento dessas contribuições decorre do fato de que elas não precisam ser divididas com Estados e municípios. A arrecadação da Cofins, da CPMF e do PIS/Pasep já chega a R$ 34 bilhões, aproximando-se do total da receita disponível dos mais de 5.000 municípios brasileiros.
Assim, é um erro imaginar que se possa fazer uma verdadeira reforma tributária sem tratar da distribuição dos encargos e das receitas nas três esferas de governo. Até no que se refere à parte estritamente econômica da tributação já se evidenciam prejuízos importantes, decorrentes do aumento de tributação cumulativa, para escapar da disputa federativa. Muitos empregos já foram perdidos por isso.
É da essência da democracia que um debate constitucional sobre reforma tributária inclua a distribuição dos quase 30% do PIB de que o setor público se apropria. Hoje, há uma crise na Federação brasileira. A Lei Kandir retira recursos importantes de Estados e municípios, estimados pela própria União em R$ 4 bilhões anuais, e não os compensa integralmente. O FEF retém das esferas subnacionais recursos da ordem de R$ 1,5 bilhão/ano. As desonerações de IPI e IR subtraem R$ 5 bilhões de Estados e municípios anualmente. Como resultado, a participação da União cresceu, entre 97 e 98, de 57,5% para 59,1% do total arrecadado no país, enquanto a dos outros entes federados caiu de 42,5% para 40,9%.
A guerra fiscal é admitida como norma e até incentivada. Os lamentáveis episódios envolvendo a entrega, pelos Estados, de dinheiro público para atrair montadoras chegaram a um ponto em que o próprio governo federal abre mão da condição de neutralidade e intervém ativamente, com recursos de todos os brasileiros, para privilegiar um Estado em detrimento de outro.
A solução para a guerra fiscal não é, portanto, a extinção das competências tributárias das esferas subnacionais, como ocorreria com a transferência do ICMS para o governo federal, ainda que travestida sob o formato moderno de um IVA partilhado. Isso só ampliaria o conflito federativo e não impediria a continuidade de um processo de guerra fiscal. Esta será resolvida com a existência e o cumprimento de regras constitucionais precisas, que resolvam os conflitos federativos e regionais, ao lado de uma política industrial e de desenvolvimento econômico regional.
As experiências de democratização existentes no país, como é o caso do orçamento participativo, demonstram melhoria da eficiência e resultados fiscais animadores. A Prefeitura de Porto Alegre, por exemplo, saiu de um déficit de mais de 35% e de um gasto com pessoal de 98% para uma situação de equilíbrio fiscal, alcançado por meio do aumento da receita própria. Este, por sua vez, possibilitou uma redução do gasto com pessoal de mais de 30 pontos percentuais, após dez anos de participação popular. Graças a experiências como essa, há um reconhecimento internacional de que o gasto público é mais eficiente quando feito nas esferas mais próximas da população. Assim, o sentido já existente na Constituição de 1988 -passar receitas e encargos a Estados e municípios- deve ser ampliado na reforma fiscal de que o país precisa.


Arno Augustin Filho, 38, economista, é secretário da Fazenda do Rio Grande do Sul.




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