São Paulo, sexta-feira, 26 de julho de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

JOSÉ SARNEY

Pastel de vento

A crise brasileira começou antes de a farra das grandes transnacionais americanas ser descoberta. Inflaram balanços para simular lucros e especular na Bolsa, valorizando suas ações. Deu no que deu e vai dar.
Aqui se dizia que a alta do dólar, a queda nas Bolsas e a fuga de capitais eram provocadas pelo fantasma Lula. O presidente da República deu início ao pânico quando anunciou que a eleição do candidato do PT iria fazer o Brasil "virar uma Argentina".
Agora, o presidente do Banco Central, Armínio Fraga, mais realista, abandona o argumento político e pretende atrelar a nossa crise à americana, como reflexo desta.
A César o que é de César. O problema americano é a ponta do iceberg. Pode ser a primeira crise mundial da globalização financeira, do neoliberalismo, e era esperada. Há quatro anos Alan Greenspan, presidente do Federal Reserve americano, alertou que o alto valor das ações estava inflado, que era necessário um corretivo. Ouvi de Helmut Schmidt, ex-premiê da Alemanha e um dos maiores políticos do século 20, que a economia virtual de papéis era de dez vezes a economia real -isto é, o preço das ações e de outros títulos que circulam nos mercados vale um décimo dos ativos das empresas. O Japão já passou por essa queima de gordura. Era o paraíso, virou, naquele tempo, o inferno.
Então, está no ar um pastel de vento, cheio de valores fictícios, que não correspondem à economia real. Agora, está furando e já atingiu o Brasil, onde o preço das ações das empresas na Bolsa acumula uma queda de US$ 50 (cinquenta) bilhões!
O balanço do governo Fernando Henrique também foi inflado para simular lucros, que agora se transformam em dívidas de R$ 600 bilhões. A senhora Krueger, vice-diretora do FMI, veio nos visitar. Essas visitas não são para abobrinhas. Agora surge a verdade. O FMI quer segurar o Brasil, responsável por 10% da dívida mundial, e vai aportar mais US$ 20 bilhões para evitar a moratória. Esta, afinal, virá, segundo o banco Bear Stearns. Seu economista-chefe, David Malpass, foi categórico: "Se não houver mudança na política econômica, virá a moratória. O problema do Brasil é a falta de crescimento econômico. O socorro do FMI adia a moratória para depois das eleições".
Enquanto isso, Ciro passa a barreira dos 30% e Serra segue a maldição da descida, para 14%. Não há mais dúvidas sobre um segundo turno entre Lula e Ciro. E o presidente disse que Serra é difícil, já está perdido, e que ele sempre admirou a competência de Ciro (!)... A era FHC encerra-se, assim, com o Brasil falindo.
Os três ícones do neoliberalismo na América Latina, Menem, FHC e Salinas, não se deram bem.
Como dizia Sancho Pança nos seus brocados, "onde se pensa que há toicinho, não há sequer espeto".


José Sarney escreve aos sextas-feiras nesta coluna.



Texto Anterior: Rio de Janeiro - Marcelo Beraba: Quem matou Macarrão?
Próximo Texto: Frases

Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.