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Mecenas?
LULU LIBRANDI
Custa a crer que o prisioneiro Edemar Cid Ferreira seja reconduzido à posição de conselheiro da Bienal de São Paulo
CILDO MEIRELES está certo.
Destaque na Documenta de
Kassel, em 2002, e na Bienal de
Veneza, em 2003, o artista plástico
brasileiro não poderia participar de
uma Bienal de São Paulo cujo conselho tem um presidiário.
Na verdade, custa a crer que o prisioneiro Edemar Cid Ferreira seja reconduzido à posição de conselheiro
da Bienal de São Paulo. Seus defensores lhe dão o benefício da dúvida e a
presunção de inocência, pois, advogam, ele ainda não foi julgado nem
condenado. Dizem ainda que Cid Ferreira fez bem à arte brasileira, pois
comprou obras importantes, nacionais e estrangeiras, e dinamizou o
mercado das artes. Mas esquecem
que as principais obras de arte do seu
acervo estão desaparecidas. Até a Interpol está atrás dos Dubuffet, Fernand Léger, Rauschenberg, Henry
Moore, Torres Garcia...
Edemar fez muito pela arte e cultura no Brasil? Como mecenas? Que
mecenas é esse que, em vez de doar
obras de arte aos museus, não só as
esconde como as leva para fora do
país?
Os amigos que o defendem e vivem
grudados no Conselho da Bienal desde 1994 fazem lembrar o que se lia há
alguns anos sobre Cid Ferreira. Veja a
seguinte pérola escrita pelo jornalista
recentemente falecido Olney Krüse,
na revista "Go Where? São Paulo":
"São muitas e diversificadas as ocupações culturais desse homem velocíssimo, que não tem nenhuma doença, é
um indomável e irrequieto vulcão, visivelmente competente, que dorme
apenas seis horas por noite ("de qualquer jeito e como um anjo inocente') e
trabalha durante 18 horas diárias".
Pobre Olney.
Não sou de tripudiar sobre a queda
de ninguém e, por isso, tenho acompanhado a derrocada do ex-mecenas
Edemar Cid Ferreira em silêncio. Sei
que ele ocupa a cela 21 do Pavilhão 1
da Penitenciária de Tremembé 2, um
xilindró de bacanas que se tornaram
fora-da-lei. Acusado de ter surrupiado pelo menos 1 bilhão de reais -dinheiro de crédulas prefeituras, fundos de pensão mal geridos e de empresários azarados-, o ex-banqueiro
Edemar Cid Ferreira caiu em desgraça depois de ter galgado os degraus de
fama, glória, poder e fortuna, no melhor estilho hollywoodiano.
Fui uma das primeiras a alertar a
inconsistência de sua trajetória, ao lado da jornalista Angélica de Morais,
com quem me solidarizei desde o início. Neste mesmo espaço democrático de debates da Folha, alertava que
"não dá mais para tolerar que determinadas figurinhas carimbadas fiquem posando de mecenas enquanto
se movem com desenvoltura no interior de uma legislação de incentivos
voltada apenas para o mercado, em
detrimento do interesse público."
Mal sabia eu no que isso ia dar, mas
já indagava "até quando vamos assistir a banqueiros vangloriarem-se como "pais da arte" enquanto promovem verdadeira privatização dos bens
e produções culturais..." ("Megamostra e pires na mão", "Tendências/Debates", 30/5/2000).
Isso me valeu um processo nas costas, assim como à Angélica de Morais.
Fui acordada por um oficial da Justiça às 6h, me interpelando sem modos, o que gerou uma nota de protesto na coluna Mônica Bergamo. Esse
era bem o estilo de Ferreira: aparecer
como banqueiro-mecenas ao estilo
de Chateaubriand, ao mesmo tempo
que agia com truculência legal aos
que ousavam questionar seu projeto.
Sua ação foi, é e será deletéria para
a arte nacional. Ora, por qual motivo
ele está preso senão as evidências de
que tem escondido e talvez mandado
para fora do Brasil valiosas obras de
arte, muitas delas compradas com o
dinheiro de inocentes investidores?
Não é isso crime de lesa-pátria?
Como se sabe, Ferreira é acusado
pelo Ministério Público de formação
de quadrilha, gestão fraudulenta e lavagem de dinheiro. Desconfia-se de
que uma das formas de "lavar" dinheiro sujo obtido pelas já famosas
"operações casadas" tenha sido a
compra de excepcional acervo artístico. Pois que ele fique para o povo brasileiro, que acompanha estarrecido
mais esse espetáculo de bandidagem.
É preciso não tolerar certas criaturas da sociedade paulistana que se dizem (falsos) mecenas e que usam a
arte para acobertar crimes e falcatruas e ainda por cima posam de
bons-moços nas colunas sociais. Sim,
Cildo Meireles está certo. É preciso
não esquecer de figuras paulistanas
ilustres no mundo das artes, como
Mario de Andrade e do grande ator
Raul Cortez, que ora nos deixa.
MARIA LUIZA LIBRANDI, a Lulu Librandi, 63, produtora
de teatro, é gerente de Assuntos Institucionais do Memorial da América Latina. Foi secretária internacional do Ministério da Cultura na gestão de Celso Furtado -tendo realizado a mostra "Modernidade Arte Brasileira do Século 20", no Museu de Arte Moderna de Paris (1986)-, e foi
diretora da Funarte (Fundação Nacional de Arte) e do Centro Cultural São Paulo.
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