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ROBERTO MANGABEIRA UNGER
Mediocridade
A situação do Brasil parece
ruim. Duas semanas viajando e
discutindo pelo país afora convenceram-me de que ela é muito pior do
que parece.
Visto do ângulo de sua vida econômica, o país marcha (no melhor caso)
para a perpetuação da mediocridade:
crescimento baixo e frágil, gestos inconsequentes de política social, abdicação nacional premiada com respeitabilidade internacional. Visto da
perspectiva de sua vida republicana, o
Brasil regride: imprensa comprada,
partidos suplicantes, conchavos entre
os poderosos e os endinheirados, silêncio do direito diante do poder.
O tom do regime é o de uma pequena burguesia entusiasmada com os
confortos mais vulgares -desde os
robes de algodão egípcio até as comilanças intermináveis. As fisionomias
desfibradas e sorridentes, as figuras
fofas e gozadoras, pródigas em brincadeiras, bebedeiras e choradeiras, dadas a comer, a viajar e a falar, mas sem
apetência para fazer, construir e inventar, a frouxidão generalizada nas
mentes e nos corpos encarnam deboche que o país prefere desconhecer.
Talvez porque, ao se identificar com o
presidente, a população ainda não tenha recolhido a lição do provérbio
turco: "Quando o machado entrou na
floresta, as árvores disseram: "O cabo
desse machado é um de nós'".
O chefe de Estado encena papel gasto: o do humanizador do inevitável
-preocupado com os pobres, confiável aos ricos, e disposto a sacrificar a
classe média para demonstrar tanto a
preocupação quanto a confiabilidade.
Papel a que a mídia brasileira, quase
toda ela quebrada, dá cobertura, com
entrevistas bajuladoras do presidente,
transmitidas em veículos agraciados
com dinheiro público.
Não seria possível cair tão baixo se o
pensamento brasileiro não houvesse
renunciado à tarefa de repensar as
possibilidades do país. Se as vozes
mais influentes não sustentassem todos os dias a tese absurda (e jamais
posta em prática em qualquer lugar)
de que é preciso ser Hoover para poder ser Roosevelt. E se os que ocupam
posições de prol em todos os departamentos da vida nacional não se sentissem tão desorientados, impotentes e
pequenos.
Que conclusões devemos depreender desse desastre, que é moral e intelectual antes de ser político ou econômico? A primeira conclusão é que o
PT se está revelando um desvio na história do Brasil. Veio, com a ajuda da
igreja e da intelectualidade, para substituir o velho trabalhismo brasileiro. A
substituição não presta: acabou em
rendição. É preciso voltar atrás e retomar o fio da história brasileira ali onde
ele foi rompido.
A segunda conclusão é que a degradação que vivemos condiz com apenas metade da realidade do Brasil de
hoje: a metade podre. A outra metade
é um país que transborda em formas
desencontradas e reprimidas de energia e de engenho.
Faltam agente e instrumento para
impor este Brasil àquele. Os partidos
estão desacreditados. Os políticos conhecidos nacionalmente estão acumpliciados com o mal que nos aflige. Eis
uma situação como aquela que os matemáticos chamam de caótica: superficialmente estável, porém sujeita a reversão repentina e radical. Só há um
jeito de provocar tal reversão: lutar
contra, até que outro rumo se patenteie e seus agentes se identifiquem. Até
que os brasileiros sintamos vergonha
de esperar tão pouco do Brasil.
Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nessa coluna.
www.law.harvard.edu/unger
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