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São Paulo, terça-feira, 26 de agosto de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O cenário estratégico do Oriente Médio

CARLOS DE MEIRA MATTOS

A maior ameaça de agravamento do cenário estratégico do Oriente Médio, já tremendamente conturbado pelos sangrentos conflitos em Israel, Afeganistão e Iraque, converge hoje para o perigo que ronda a estabilidade da dinastia saudita instalada em Riad.
A derrubada da monarquia governante da Arábia Saudita, que está submetida a um processo crescente de rejeição pelo fundamentalismo islâmico, representará, segundo a opinião de analistas credenciados da política internacional, um tremendo desastre estratégico e econômico para os Estados Unidos e para todos os países do Ocidente dependentes do mercado do petróleo.
A Arábia Saudita, por sua posição estratégica e por sua condição de maior produtora de petróleo do mundo, vem desempenhando o papel de principal aliado político e militar dos Estados Unidos nessa conflituosa região. Entretanto a sustentabilidade dessa aliança depende, essencialmente, da sobrevivência no poder da monarquia saudita.
A queda do governo de Riad refletirá, inevitavelmente, na estabilidade das pequenas monarquias vizinhas -Kuait, Bahrein, Qatar, Emirados Árabes e Omã-, todas produtoras de petróleo, ligadas à dinastia saudita e aliadas do Ocidente.
Desde os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, a Nova York e Washington, vem crescendo em intensidade a oposição fundamentalista no próprio país e no universo islâmico exterior, aumentando o grau de instabilidade do regime monarquista de Riad. Os analistas da "inteligência" norte-americana e inglesa têm se dedicado intensamente a prognosticar as razões da crescente oposição à monarquia dos Saud e as consequências internacionais de sua queda.



As consequências de um governo fundamentalista na Arábia Saudita serão catastróficas para todo o Ocidente

Entre as razões que vêm debilitando progressivamente a dinastia saudita, podemos destacar: 1) sua aliança militar com os Estados Unidos -o líder terrorista Bin Laden, em constantes proclamações aos islâmicos, acusa o governo do príncipe Abdulah de infiel e ilegítimo guardião das terras que abrigam os símbolos religiosos do Islã, as cidades sagradas de Meca e Medina; 2) a desaprovação crescente, pelo povo saudita, do regime de clã privilegiado do príncipe Abdulah e seus 25 irmãos, todos ocupando cargos de relevo na administração do país. Mesmo os órgãos de inteligência de Washington, segundo informação vazada para a imprensa, consideram a monarquia saudita "um anacronismo de frágil sustentação"; 3) finalmente, a deterioração progressiva do clima de entendimentos entre os aliados Washington e Riad, em virtude das constantes suspeitas de ajuda financeira de capitalistas sauditas a organizações terroristas, agravada pelo fato de que 11 dos 19 suicidas de 11 de setembro eram sauditas.
Diante da hipótese de que a monarquia saudita não resista às pressões que a debilitam, vários cenários estratégicos vêm sendo estudados. Se isso acontecer, não há previsão de que o poder não caia na mão da oposição fundamentalista, a única que tem força no país.
As consequências de um governo fundamentalista na Arábia Saudita serão catastróficas para todo o Ocidente. O rompimento com os Estados Unidos será inevitável, crescerá a previsibilidade da expansão e do fortalecimento do fundamentalismo islâmico em todo o Oriente Médio. Com o apoio financeiro do governo de Riad (maior produtor de petróleo do mundo), os sentimentos antiamericanos e antiocidentais, irresistivelmente, dominarão todo o Oriente Médio e, com isso, aumentará a ameaça do terrorismo internacional. Finalmente, a economia dos países ocidentais deverá sofrer tremendo abalo pela possibilidade de os fundamentalistas virem a influir decisivamente no mercado de petróleo, arbitrando os preços.
O Pentágono e os órgãos de inteligência de Washington estudam como impedir a queda da desgastada monarquia de Riad -que, apesar das queixas e dificuldades, continua sua principal aliada-, mas não encontram no Oriente Médio outro aliado que a possa substituir. Em última instância, a hipótese de uma intervenção militar na Arábia Saudita é, por todos os analistas, considerada a solução mais desastrada.
A inevitável mundialização dos problemas de relevância política e econômica não livrará o Brasil dos reflexos negativos que a mudança do governo de Riad poderá provocar na economia mundial.

Carlos de Meira Mattos, 90, doutor em ciência política e general reformado do Exército, é veterano da Segunda Guerra Mundial e conselheiro da Escola Superior de Guerra.


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