São Paulo, sexta-feira, 26 de agosto de 2005

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NELSON MOTTA

As mãos limpas do trabalho sujo

RIO DE JANEIRO - Os últimos acontecimentos ultrapassam e humilham qualquer ficcionista. Sintomaticamente, a coleta de lixo é o prato forte da corrupção em diversas prefeituras petistas. A imagem é eloquente: o lixo do povo bancando o luxo de políticos, funcionários e empresários "de esquerda" (rs).
Empresas que usam seu capital (ou empréstimos de bancos públicos a juros subsidiados) para comprar veículos e vassouras e explorar os trabalhadores, pagando salários de fome a milhares de pobres lixeiros, que fazem um dos mais abomináveis e literalmente sujos serviços que um cidadão pode ser obrigado a fazer para comer. Claro, os "socialistas" donos da empresa, que não trabalham, mas têm o capital e os contatos -e colaboram para o partido dos lixeiros e para a "causa"- ficam com a parte do leão. Com trocadilho.
Como urubus corporativos, eles amam o lixo, lutam por ele, vivem dele, corrompem e até matam por ele. Pelo privilégio de recolher os detritos e dejetos públicos, mas sem botar a mão na massa nem pegar na vassoura e embolsando a diferença entre o que recebem das prefeituras em contratos superfaturados e o que pagam aos lixeiros que fazem o trabalho sujo. Que ficcionista ousaria uma metáfora mais poderosa, pela obviedade, do que essa? Mas é apenas fato.
Pior: uma caricatura grotesca da exploração do homem pelo homem. Pior do que os juros de um banco, pior do que um agiota. Não sei como todos esses "homens de esquerda" conseguem dizer que são movidos por motivos políticos sem rir.
E quem imaginaria que a paixão de um quarentão por uma garota o levaria, para escapar da prisão e da insuportável separação de sua amada, a se tornar o delator de escândalos que abalariam a República e os mercados internacionais?
Entre o amor e a "causa", ele ficou com a garota.
E nós ficamos com o lixo.


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