São Paulo, domingo, 26 de agosto de 2007

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TENDÊNCIAS/DEBATES

E a greve dos médicos, hein, governador?

TEOTONIO VILELA FILHO


A mortalidade infantil em Alagoas é das mais altas do país, com ou sem greve. E me dói saber que os índices ainda continuarão altos


QUANDO A FOLHA de S.Paulo me convidou para escrever este artigo, pensei comigo: "Ótimo". Afinal, seria uma bela oportunidade para contar aos brasileiros, especialmente aos paulistas, o que nosso governo está fazendo para colocar a casa em ordem, ajustar as finanças tão combalidas de Alagoas e inaugurar um novo tempo de transparência e responsabilidade no trato da coisa pública neste Estado.
Mas logo o jornalista com quem falei ao telefone comentou: "E essa greve dos médicos, hein, governador?".
Pois é. A greve. Claro que esse tema, dramatizado pela morte de uma criança, era a bola da vez.
Notei que, mesmo que eu não quisesse falar das mazelas da saúde, da greve, dos baixos salários dos médicos; ainda que eu goste mais de falar das coisas boas de Alagoas sobre as quais o Brasil precisa ficar sabendo; ainda que eu pretendesse levar uma palavra de otimismo, acenando com a perspectiva de um novo tempo para os alagoanos, ainda assim eu não conseguiria sair da discussão sobre saúde, salários, greve...
Assim, aceito o desafio: vamos discutir esse assunto.
É importante para o paulista e para os demais brasileiros que não estão em Alagoas entender uma coisa: quando o Sindicato dos Metroviários de São Paulo interrompe o serviço e causa um transtorno terrível para a cidade e para quem nela vive, quando os metroviários fazem isso em busca de melhores salários, é de imaginar que é um direito deles.
Alguns podem discutir se a greve é legítima ou ilegítima. Mas, do meu ponto de vista, uma greve é legítima, é ética, quando existem recursos para pagar o que pretendem ganhar os grevistas.
Não é o caso da greve dos médicos de Alagoas. E por que posso afirmar isso?
Somos um Estado pobre. Ao lado do Maranhão, somos o Estado mais pobre do Brasil. Temos o menor IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) entre os Estados brasileiros.
Para não ficar aqui chorando, gostaria de citar alguns números que mostram como encontramos o governo. O Estado havia retido R$ 40 milhões de prestações de empréstimos consignados, descontados em folha, que não foram pagos aos bancos, levando os funcionários a ter seus nomes apontados no Serasa; R$ 55 milhões de repasses constitucionais obrigatórios aos municípios ficaram retidos. Apesar de termos conseguido aumentar a arrecadação em índices recordes no Nordeste, num trabalho extraordinário dos funcionários da Secretaria da Fazenda de Alagoas, ainda assim amargamos um déficit mensal de R$ 5 milhões.
Dentro do meu governo, o secretário da Saúde, o secretário da Educação, o chefe da Casa Civil e o meu vice-governador são médicos. Não há, portanto, desconhecimento da verdadeira situação salarial dos médicos.
A intransigência do Sindicato dos Médicos de Alagoas só se explica pela falta de confiança que os sindicatos em geral têm nas informações financeiras do Estado.
Outro fato reforça a tese de que a greve dos médicos foi uma greve política. Nos últimos oito anos, essa mesma diretoria do sindicato, apesar dos baixos salários dos médicos, apesar de eles não terem recebido nenhum aumento, ainda assim não decretou greve.
Mas os problemas da saúde em Alagoas transcendem a fatalidade das mortes durante a greve. Com ou sem greve, a mortalidade infantil em Alagoas é das mais altas do Brasil. Infelizmente, vidas se perderam antes, durante e vão continuar sendo perdidas depois da greve. O que mais me dói é saber que esses índices continuarão ainda altos no meu governo. Alagoas é um Estado que precisa do apoio financeiro do governo federal.
Aliás, não posso negar que tenho encontrado esse apoio. Mas ainda há muito por fazer para que os índices negativos caiam.
Enquanto escrevia este artigo, finalmente a negociação entre governo e grevistas chegava a um bom termo. Graças ao aumento de verbas federais e ao trabalho de busca de recursos dentro da Secretaria da Saúde, e mantendo os índices constitucionais de repasses à saúde, conseguimos uma equação financeira possível.
A pergunta que fica é: era preciso passar por quase 90 dias de greve, levando sofrimento aos mais pobres, para chegar ao entendimento? Acho que não. Com um mínimo de capacidade de diálogo, com um mínimo de racionalidade e com um pouco mais de boa vontade teríamos chegado ao mesmo lugar.


TEOTONIO VILELA FILHO , 56, economista, é o governador de Alagoas. Foi senador da República (1986 a 2006) e presidente nacional do PSDB (1996 a 2001).

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