|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TENDÊNCIAS/DEBATES
A oportunidade da democracia
WANDERLEY GUILHERME DOS SANTOS
É inconcebível que o PT esteja exposto às decisões irresponsáveis de militantes políticos truculentos, analfabetos em democracia
É INADMISSÍVEL que um partido
com a representatividade social
do PT, sigla depositária das expectativas dos operários urbanos, trabalhadores rurais, pequenos agricultores e grande parcela dos profissionais liberais, tenha sua vida do dia-a-dia administrada por personagens
cujos nome de batismo e poder só venham a ser conhecidos quando dão
entrada na polícia.
Nada têm em comum com o eleitor
petista, entusiasta da disputa eleitoral democrática e que por mais de 20
anos acompanha a trajetória do PT,
honestamente acreditando nos compromissos institucionais e de justiça
social por ele assumidos. De resto, essas figuras marginais nada têm em comum com os eleitores decentes de
qualquer partido brasileiro, inclusive
os conservadores.
É inconcebível que o Partido dos
Trabalhadores, ante a oportunidade
de agregar o empresariado produtivo
e a força de trabalho organizada em
uma coalizão social de longo prazo, liderando a mais importante transição
do país nos últimos 70 anos, esteja exposto às decisões irresponsáveis de
militantes políticos truculentos,
analfabetos em democracia, desmentindo a versão de que o PT seria um
partido de quadros disciplinados. Não
é. Os acontecimentos do último ano e
meio demonstraram a urgência de
uma revisão organizacional de longo
alcance na estrutura do partido e de
uma redistribuição da responsabilidade pública de seus dirigentes.
É inaceitável que violadores da ordem democrática sejam tratados com
leniência, como se acusados de pecados veniais, quando são réus de sérios
atentados institucionais com os quais
nenhum democrata pode contemporizar. Apanhados em flagrante delito,
esses operadores das sombras agrediram o único dispositivo constitucional criado pela iniciativa popular,
aquele que prevê perda de direitos para crimes de corrupção eleitoral.
O Partido dos Trabalhadores, em
igualdade de condições com os demais partidos, não pode manter em
seus quadros criminosos de tamanho
quilate. Ou o PT é um partido que representa um eleitorado majoritário
de homens e mulheres de bem ou serve de cobertura para operações de lesa-democracia.
O capital biográfico do presidente
da República, Luiz Inácio Lula da Silva, não pode servir de fiança às malfeitorias de burocratas desqualificados. O presidente deve muito a seus
companheiros de jornada, mas deve
infinitamente mais aos milhões de
desconhecidos que nunca o viram,
nem precisam ver, mas o fizeram primeiro mandatário da nação.
O presidente, cujo sereno respeito
às leis tem sido elogiável, é, ao mesmo
tempo, a mais importante liderança
do Partido dos Trabalhadores. Nessa
capacidade, não seria próprio omitir-se de oferecer uma palavra de orientação aos companheiros de partido
no sentido de que não comprometam
o papel estratégico que o movimento
popular tem a cumprir em nome de
uma solidariedade que só se deve a
iguais. Criminosos confessos não são
iguais aos anônimos brasileiros que
constituem a base de apoio social do
presidente da República.
A atual crise que envolve o PT não é
uma crise de crescimento, mas de saneamento e de desparoquialização. O
Partido dos Trabalhadores necessita
ter sua administração nacionalizada,
assim como o próprio governo, do
qual o PT é o principal responsável,
está a exigir uma reformulação que
contemple as exigências de um país às
vésperas de uma etapa crucial de sua
história: a etapa em que pode seriamente candidatar-se a uma inserção
mais assertiva no quadro internacional. Nenhum país obtém sucesso internacional sendo domesticamente
paroquial.
Em minha estimativa, o presidente
Luiz Inácio já ganhou, merecidamente, um segundo mandato. Resta ficar
esclarecido com que recursos institucionais irá governar.
Diante de uma oposição em processo de radicalização, a resposta que
melhor favorecerá a democracia e o
país se encontra no renascimento de
um partido sem operadores trânsfugas, sem financiadores que não podem dizer o nome, sem gabinetes a
que faltam o conhecimento e o reconhecimento públicos.
A reputação dos servidores do Estado e do governo brasileiros está, por
enquanto, à mercê de esparsos pelotões de celerados, que atiram contra a
democracia. Que o presidente se livre
deles, e continuará a contar com o decidido apoio dos que, sem fanatismos
partidários, acreditam que as instituições populares são capazes de construir, com honestidade, um país livre
da miséria extrema e cultor implacável dos valores democráticos. A hora é
mais do que oportuna.
WANDERLEY GUILHERME DOS SANTOS, 70, graduado
em filosofia e doutor em ciência política pela Universidade
de Stanford (EUA), é professor titular aposentado de teoria política da UFRJ, membro-fundador do Iuperj, diretor
do Laboratório de Estudos Experimentais e pró-reitor de
Análise e Prospectiva da Universidade Candido Mendes.
Texto Anterior: Frases
Próximo Texto: José Wanderley Kozima: A AGU na pauta contra a corrupção
Índice
|