São Paulo, terça-feira, 26 de setembro de 2006

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A oportunidade da democracia

WANDERLEY GUILHERME DOS SANTOS

É inconcebível que o PT esteja exposto às decisões irresponsáveis de militantes políticos truculentos, analfabetos em democracia

É INADMISSÍVEL que um partido com a representatividade social do PT, sigla depositária das expectativas dos operários urbanos, trabalhadores rurais, pequenos agricultores e grande parcela dos profissionais liberais, tenha sua vida do dia-a-dia administrada por personagens cujos nome de batismo e poder só venham a ser conhecidos quando dão entrada na polícia.
Nada têm em comum com o eleitor petista, entusiasta da disputa eleitoral democrática e que por mais de 20 anos acompanha a trajetória do PT, honestamente acreditando nos compromissos institucionais e de justiça social por ele assumidos. De resto, essas figuras marginais nada têm em comum com os eleitores decentes de qualquer partido brasileiro, inclusive os conservadores.
É inconcebível que o Partido dos Trabalhadores, ante a oportunidade de agregar o empresariado produtivo e a força de trabalho organizada em uma coalizão social de longo prazo, liderando a mais importante transição do país nos últimos 70 anos, esteja exposto às decisões irresponsáveis de militantes políticos truculentos, analfabetos em democracia, desmentindo a versão de que o PT seria um partido de quadros disciplinados. Não é. Os acontecimentos do último ano e meio demonstraram a urgência de uma revisão organizacional de longo alcance na estrutura do partido e de uma redistribuição da responsabilidade pública de seus dirigentes.
É inaceitável que violadores da ordem democrática sejam tratados com leniência, como se acusados de pecados veniais, quando são réus de sérios atentados institucionais com os quais nenhum democrata pode contemporizar. Apanhados em flagrante delito, esses operadores das sombras agrediram o único dispositivo constitucional criado pela iniciativa popular, aquele que prevê perda de direitos para crimes de corrupção eleitoral.
O Partido dos Trabalhadores, em igualdade de condições com os demais partidos, não pode manter em seus quadros criminosos de tamanho quilate. Ou o PT é um partido que representa um eleitorado majoritário de homens e mulheres de bem ou serve de cobertura para operações de lesa-democracia.
O capital biográfico do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, não pode servir de fiança às malfeitorias de burocratas desqualificados. O presidente deve muito a seus companheiros de jornada, mas deve infinitamente mais aos milhões de desconhecidos que nunca o viram, nem precisam ver, mas o fizeram primeiro mandatário da nação.
O presidente, cujo sereno respeito às leis tem sido elogiável, é, ao mesmo tempo, a mais importante liderança do Partido dos Trabalhadores. Nessa capacidade, não seria próprio omitir-se de oferecer uma palavra de orientação aos companheiros de partido no sentido de que não comprometam o papel estratégico que o movimento popular tem a cumprir em nome de uma solidariedade que só se deve a iguais. Criminosos confessos não são iguais aos anônimos brasileiros que constituem a base de apoio social do presidente da República.
A atual crise que envolve o PT não é uma crise de crescimento, mas de saneamento e de desparoquialização. O Partido dos Trabalhadores necessita ter sua administração nacionalizada, assim como o próprio governo, do qual o PT é o principal responsável, está a exigir uma reformulação que contemple as exigências de um país às vésperas de uma etapa crucial de sua história: a etapa em que pode seriamente candidatar-se a uma inserção mais assertiva no quadro internacional. Nenhum país obtém sucesso internacional sendo domesticamente paroquial.
Em minha estimativa, o presidente Luiz Inácio já ganhou, merecidamente, um segundo mandato. Resta ficar esclarecido com que recursos institucionais irá governar. Diante de uma oposição em processo de radicalização, a resposta que melhor favorecerá a democracia e o país se encontra no renascimento de um partido sem operadores trânsfugas, sem financiadores que não podem dizer o nome, sem gabinetes a que faltam o conhecimento e o reconhecimento públicos.
A reputação dos servidores do Estado e do governo brasileiros está, por enquanto, à mercê de esparsos pelotões de celerados, que atiram contra a democracia. Que o presidente se livre deles, e continuará a contar com o decidido apoio dos que, sem fanatismos partidários, acreditam que as instituições populares são capazes de construir, com honestidade, um país livre da miséria extrema e cultor implacável dos valores democráticos. A hora é mais do que oportuna.


WANDERLEY GUILHERME DOS SANTOS, 70, graduado em filosofia e doutor em ciência política pela Universidade de Stanford (EUA), é professor titular aposentado de teoria política da UFRJ, membro-fundador do Iuperj, diretor do Laboratório de Estudos Experimentais e pró-reitor de Análise e Prospectiva da Universidade Candido Mendes.

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