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CLÓVIS ROSSI
A banalização do absurdo
SÃO PAULO - Acabou o trabalho
escravo no Brasil. Era uma imensa
chaga aberta -uma delas apenas.
Trabalho escravo em pleno século
21 era também uma demonstração
-uma delas apenas- do primitivismo do país tropical.
Agora, não há mais. Ou melhor,
não há mais fiscalização, logo não
haverá mais denúncias de trabalho
escravo e, sem denúncias, só saberão que existe trabalho escravo suas
vítimas diretas e os respectivos algozes. Ninguém mais.
É o mundo ideal para qualquer
governante, já que todo governante
odeia críticas e denúncias. A "mídia
golpista" perde, assim, uma chance
de atacar o governo. Tivessem a
Procuradoria Geral da República e
o STF também suspendido seus
trabalhos antes da denúncia do
mensalão e de sua aceitação, não
existiria o que a procuradoria chamou de "organização criminosa",
rótulo aceito pelo STF.
Ironias à parte, o fato é que a suspensão da fiscalização sobre trabalho escravo é um aspecto -um deles apenas- da banalização do absurdo em que se transformou o Brasil. A paralisação se deve, essencialmente, a uma ação de senadores
contra a autuação de uma fazenda
do Pará. Os pais da pátria, em vez de
zelarem pelo devido cumprimento
da lei, preferem punir quem de fato
zela por ela. Se houve abuso dos fiscais, o certo seria puni-los, após a
devida apuração.
Paralisar a fiscalização equivale a
deixar de prender assassinos em
flagrante só porque um policial,
num dado dia, abusou na hora de
prender alguém.
Mas, bem feitas as contas, quem
se surpreende com o absurdo, ainda
mais quando o absurdo é praticado
por senadores? Afinal, o Senado
caiu oficialmente na clandestinidade na hora em que líderes do governo e da oposição decidiram reunir-se, longe das vistas do presidente da
Casa, para decidir o que ela deve fazer. Seria absurdo, não estivéssemos no Brasil.
crossi@uol.com.br
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