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São Paulo, domingo, 26 de outubro de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

MURO DA DISCÓRDIA

Construir a paz, e não muros

MUSA AMER ODEH

Desde que ocupou o território palestino, em 1967, Israel está violando constantemente o direito internacional. Com seu completo desdém pelas resoluções do Conselho de Segurança da ONU, que pedem o fim da ocupação, o desmantelamento das colônias e a suspensão da anexação ilegal de terras, bem como com seu desdém para com as resoluções pedindo o estabelecimento de um Estado palestino independente, Israel vem agindo como um Estado acima da lei. Ironicamente, no entanto, Israel se queixa de que o mundo todo está "contra" si.
Um Estado com um Exército poderoso e armas de destruição em massa alega agora que precisa de um muro para se proteger. O muro que Israel, a potência de ocupação, quer construir nos territórios palestinos ocupados é um crime de guerra, e assim deveria ser classificado. Até agora, levou ao confisco e destruição de milhares de acres de terra e árvores, e destruiu a infra-estrutura, incluindo o abastecimento de água, e o ganha-pão de mais de 250 mil palestinos, vivendo em mais de 65 aldeias e cidades de ambos os lados do muro. Sua construção levou à separação, parcial ou completa, de civis e suas terras, recursos hídricos e o resto do povo palestino.
A primeira fase da construção cobriu, até agora, 150 km e está desmembrando o território palestino, isolando o povo da Palestina em bantustões e tornando fisicamente impossível a existência de um Estado palestino. O governo israelense adotou, em 1º de outubro, planos para a segunda fase do muro, que avançará mais 22 km em território palestino. A terceira e a quarta fases -se for permitido que esse projeto continue- darão ao muro um comprimento total de 500 km, com todas as desastrosas consequências que isso acarreta.
Ao longo dos anos, Israel transferiu cerca de 400 mil israelenses para mais de 200 assentamentos coloniais ilegais que construiu nos territórios palestinos ocupados, incluindo Jerusalém Oriental -um total de 8% da terra palestina. Israel confiscou mais terra nas imediações dessas colônias para construir uma rede separada de estradas exclusivas. Mais território será confiscado para erigir o muro que incorporará esses assentamentos ilegais. É, na prática, uma anexação.
Em meio a essas ações, que incluem massacres diários e a demolição de centenas de casas, torna-se cômico -se não pudermos classificar a situação como uma afronta- que o governo israelense alegue estar procurando a paz. Se essas ações são realmente conducentes à paz, é de imaginar que definição Sharon dá à palavra "paz". Ele mesmo esclareceu esse ponto, aliás, quando se opôs a qualquer acordo de paz entre Israel e os países vizinhos. Com as 14 objeções declaradas que fez ao "mapa do caminho", Sharon, na prática, rejeitou-o, enquanto a Autoridade Nacional Palestina aceitou a proposta sem reservas.


Um Estado com um Exército poderoso e armas de destruição em massa alega agora que precisa de um muro para se proteger


É preciso apontar que a resolução 242 do Conselho de Segurança da ONU baseia-se na idéia de que é inadmissível ocupar territórios pela força. Por isso, Israel foi conclamado a se retirar, em novembro de 1967, dos territórios que ocupara na guerra de junho daquele ano. Desde então, Israel constantemente inventa novas medidas e ações, sempre ilegais, para criar novos fatos práticos, em uma tentativa de proteger a ocupação, e não seu povo, como usualmente alega. O padrão começa com a instalação de assentamentos ilegais, com colonos armados, depois anexação dessas terras por Israel, a seguir novos confiscos de terras e a construção de estradas para a proteção dos colonos e, agora, a construção de um muro para proteger as colônias ilegais, seus ocupantes e as estradas que levam a elas.
Sob o mesmo pretexto de "segurança", Israel iniciou com ainda mais ferocidade, em junho de 2002, o estágio final de sua tentativa de acabar com a existência do povo palestino em sua terra, bem como qualquer chance de paz. Por isso o muro. As políticas israelenses são responsáveis pela obsessão do país com a segurança. É o povo palestino, na verdade, que tem grave necessidade de proteção e que pediu várias vezes à comunidade internacional que a forneça.
As tremendas injustiças infligidas por Israel aos palestinos, ao longo das décadas, incluem indescritível humilhação de pais diante de suas famílias, de mães diante de seus filhos. Nos últimos três anos, nosso povo e nossa infra-estrutura sofreram pesadamente, com os repetidos bombardeios aéreos contra civis, a destruição de casas, pomares e oliveiras centenárias, bem como os assassinatos e as execuções diários. Israel fechou escolas e universidades, restringiu nossa movimentação, com postos militares vigiadas por soldados sempre prontos a atirar, e é responsável pela destruição de nossa economia. Trata-se apenas de alguns exemplos de como é a vida do povo palestino sob a ocupação israelense.
O que está acontecendo não é só um confisco de terras, é a proscrição da vida e dos sonhos de gerações de palestinos.
Por isso, 144 países conclamaram os israelenses a suspenderem a construção do muro, a demolirem o trecho já construído e a voltarem ao caminho que conduz à paz. O primeiro passo é Israel pôr fim à sua ocupação, e não construir mais muros de apartheid.


Musa Amer Odeh, 55, mestre em sociologia e filosofia, embaixador, é o chefe da Delegação Especial da Palestina no Brasil.

Tradução de Paulo Migliacci



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