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O papel dos museus
De nada adiantará transferir obras para museus se eles não reunirem condições de preservá-las e exibi-las
A DESTRUIÇÃO recente de
parte considerável da
obra deixada pelo artista Hélio Oiticica
(1937-1980), consumida por um
incêndio, ampliou o debate acerca de temas importantes para a
vida cultural do país: o papel dos
museus de arte, a preservação
das coleções e a aquisição de
acervos.
Não se trata, neste momento,
de apontar culpados, como se este ou aquele aspecto isolado pudesse explicar a perda ou tê-la
evitado. Importa constatar que
existe um problema mais abrangente a ser enfrentado, sem o que
o risco de novas perdas possivelmente aumentará.
Apesar de algumas iniciativas
governamentais, como a criação
do Sistema Brasileiro de Museus, a situação das instituições
voltadas para as artes está longe
de ser satisfatória. Com poucas
exceções (como a Pinacoteca do
Estado, em São Paulo), enfrentam carência de recursos e dificuldades de gestão.
São também notórias a dispersão e a ineficiência decorrentes
da existência de museus cujas
funções e áreas de interesse se
sobrepõem, sem que nenhum
deles cumpra a contento o seu
papel. Seria mais inteligente e
produtivo se algumas instituições, em vez de atuarem como
ilhas ou concorrentes paroquiais, interagissem ou mesmo
se fundissem, de modo a racionalizar recursos, potencializar esforços e criar coleções coerentes,
com início, meio e fim.
Não é demais lembrar que alguns dos mais conhecidos museus do país não possuem acervo
próprio -apenas preservam
obras reunidas por colecionadores particulares, em regime de
comodato. Ou seja, a instituição
pública cuida por um período de
um conjunto de peças que permanece, para todos os efeitos,
submetido ao regime privado.
Nos últimos anos, a realização
de grandes mostras, muitas delas
concebidas como espetáculos de
massa com alcance internacional, pode ter criado a impressão
de que os museus brasileiros
passavam por um processo de revitalização. Isso não deixa de ser
verdade, mas apenas quanto à
renovada presença de público e à
projeção dessas exposições nos
veículos de comunicação.
O problema é que as leis de incentivo à cultura, embora favoreçam a produção de eventos
com visibilidade e retorno de
marketing, não exercem, pela
própria natureza dos mecanismo em vigor, um papel relevante
na compra de acervos e na manutenção e qualificação das instituições. É preciso estimular o
desenvolvimento de formas de
parceria público-privada capazes de gerar fundos e romper
com a lógica de privilegiar o
eventual em detrimento do permanente.
Por fim, quanto à questão da
herança, o caminho a ser trilhado deve buscar, como ocorre em
outros países, um ponto de equilíbrio entre o direito das famílias
de dispor das obras deixadas pelo
artista e a dimensão pública desses patrimônios. Mas de nada
adiantará criar regras que induzam à transferência de obras para museus se estes não reunirem
condições de preservá-las e exibi-las regularmente.
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