São Paulo, segunda-feira, 26 de outubro de 2009

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Editoriais

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O papel dos museus

De nada adiantará transferir obras para museus se eles não reunirem condições de preservá-las e exibi-las

A DESTRUIÇÃO recente de parte considerável da obra deixada pelo artista Hélio Oiticica (1937-1980), consumida por um incêndio, ampliou o debate acerca de temas importantes para a vida cultural do país: o papel dos museus de arte, a preservação das coleções e a aquisição de acervos.
Não se trata, neste momento, de apontar culpados, como se este ou aquele aspecto isolado pudesse explicar a perda ou tê-la evitado. Importa constatar que existe um problema mais abrangente a ser enfrentado, sem o que o risco de novas perdas possivelmente aumentará.
Apesar de algumas iniciativas governamentais, como a criação do Sistema Brasileiro de Museus, a situação das instituições voltadas para as artes está longe de ser satisfatória. Com poucas exceções (como a Pinacoteca do Estado, em São Paulo), enfrentam carência de recursos e dificuldades de gestão.
São também notórias a dispersão e a ineficiência decorrentes da existência de museus cujas funções e áreas de interesse se sobrepõem, sem que nenhum deles cumpra a contento o seu papel. Seria mais inteligente e produtivo se algumas instituições, em vez de atuarem como ilhas ou concorrentes paroquiais, interagissem ou mesmo se fundissem, de modo a racionalizar recursos, potencializar esforços e criar coleções coerentes, com início, meio e fim.
Não é demais lembrar que alguns dos mais conhecidos museus do país não possuem acervo próprio -apenas preservam obras reunidas por colecionadores particulares, em regime de comodato. Ou seja, a instituição pública cuida por um período de um conjunto de peças que permanece, para todos os efeitos, submetido ao regime privado.
Nos últimos anos, a realização de grandes mostras, muitas delas concebidas como espetáculos de massa com alcance internacional, pode ter criado a impressão de que os museus brasileiros passavam por um processo de revitalização. Isso não deixa de ser verdade, mas apenas quanto à renovada presença de público e à projeção dessas exposições nos veículos de comunicação.
O problema é que as leis de incentivo à cultura, embora favoreçam a produção de eventos com visibilidade e retorno de marketing, não exercem, pela própria natureza dos mecanismo em vigor, um papel relevante na compra de acervos e na manutenção e qualificação das instituições. É preciso estimular o desenvolvimento de formas de parceria público-privada capazes de gerar fundos e romper com a lógica de privilegiar o eventual em detrimento do permanente.
Por fim, quanto à questão da herança, o caminho a ser trilhado deve buscar, como ocorre em outros países, um ponto de equilíbrio entre o direito das famílias de dispor das obras deixadas pelo artista e a dimensão pública desses patrimônios. Mas de nada adiantará criar regras que induzam à transferência de obras para museus se estes não reunirem condições de preservá-las e exibi-las regularmente.


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