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RICARDO MELO
Direito à aposentadoria
A conta da crise financeira
internacional de 2008, simbolizada pela quebra do banco
de investimento americano
Lehman Brothers, está longe
de ser paga. Pacotes trilionários de ajuda ao setor privado
foram insuficientes para cobrir os rombos da especulação
desenfreada. É preciso mais.
Os europeus que o digam.
Grécia, Portugal, Espanha,
França e Grã-Bretanha são
amostras de países que, a pretexto de não falir, passam a faca em direitos sociais diversos.
Um dos alvos preferidos são as
aposentadorias. O governo
inglês, por exemplo, além de
projetar o maior corte de gastos públicos em 60 anos e a
demissão de meio milhão de
servidores, quer elevar de 65
para 66 anos a idade para aposentadoria.
Embora, no conjunto, as
medidas pareçam de menor
amplitude, é na França que a
situação está mais exacerbada. O presidente Nicolas Sarkozy declarou guerra a conquistas históricas dos sindicatos e decidiu aumentar em
dois anos a idade mínima da
aposentadoria. Conseguiu
deslanchar a maior onda de
mobilizações no país em muitos anos, envolvendo funcionários públicos, trabalhadores em geral e a juventude estudantil.
Pesquisas de opinião mostram que as manifestações
têm índice de apoio da altura
de Carla Bruni, enquanto a satisfação com o governo está
mais para a estatura do marido. Mais de 70% dos franceses
são simpáticos aos protestos.
Já o presidente bateu seu próprio recorde de impopularidade: enquete divulgada no
domingo registra que só 29% dos entrevistados são favoráveis a Sarkozy.
Os "reformistas" franceses
argumentam que, se em 1945
havia oito trabalhadores na
ativa para sustentar um aposentado, daqui a 15 anos a proporção descerá a um para um
caso nada seja feito. É mais ou
menos a mesma ladainha
atuarial ouvida no Brasil. Para
os governos e o pessoal bem
de vida, a aposentadoria -dos
outros, bem entendido- passou a ser tratada como luxo a
ser eliminado (ao mesmo tempo, um ótimo negócio para a
banca que negocia planos de previdência privada).
Na ponta do lápis, considerando o aumento da expectativa de vida e a queda dos índices de natalidade, a conta dos
"reformistas" até parece fazer
algum sentido. Sentido numérico, apenas.
É difícil engolir que, diante
de tanto progresso técnico e
material, da capacidade internacional de gerar riqueza e do
aumento de produtividade do
trabalho -é difícil engolir que
a saída para deixar a casa em
ordem seja sempre reverter
conquistas sociais. Por mais
não fosse, basta lembrar a soma de recursos públicos queimados para salvar banqueiros
e empresários espertalhões só nos últimos dois anos.
Dinheiro há. Resta decidir em qual bolso ele vai parar.
RICARDO MELO é coordenador da Folha.com
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