São Paulo, segunda-feira, 26 de novembro de 2007

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Comércio, ano 200

ABRAM SZAJMAN


Apesar do crescimento recente das trocas externas, nossa fatia no comércio mundial não supera 1% do total

NO DIA 28 de janeiro de 1808, dom João 6º, então príncipe regente de Portugal que se transferia com sua corte para o Brasil, assinou carta régia declarando abertos os portos brasileiros às nações amigas.
Esse ato, que há 200 anos colocou o nosso país na era da globalização -e tornou irreversível nossa independência como nação soberana-, enseja reflexões de ordem econômica, cultural, social e política sobre as relações que, durante os últimos dois séculos, o Brasil manteve com as demais nações. E também para que possamos projetar os rumos que a inserção internacional do país deve seguir daqui por diante.
Embora estivesse ligada ao mercado mundial por meio da metrópole, por onde passavam o açúcar e o ouro de nossos primeiros ciclos econômicos e de onde vinham raros produtos importados, nos três séculos anteriores, a maior colônia portuguesa manteve diretamente apenas o escambo com a costa da África, para o tráfico de escravos. O Brasil era pouco mais que uma aglomeração de feitorias e alguns acanhados centros urbanos na faixa litorânea e na zona mineira.
Tudo isso mudou a partir de novembro de 1807, quando, tangida pelas tropas napoleônicas e protegida pela marinha inglesa, a corte de Portugal se transplantou para o outro lado do Atlântico com 15 mil pessoas entre cortesãos, magistrados e funcionários, instalando no Rio de Janeiro a capital do reino.
Ao contrário do que aconteceu com a outra porção da América do Sul, fracionada em inúmeras nações a partir do momento em que a Espanha perdeu sua independência, as fronteiras do Brasil foram consolidadas e até ampliadas com a chegada da Casa de Bragança, que, dessa forma, preservou a unidade territorial daquele que seria o maior país do continente.
A abertura dos portos coincidiu com a expansão da lavoura do café, que, pelos 120 anos seguintes, seria o principal esteio de nossa balança comercial, garantindo a importação dos materiais que dariam feições européias a cidades como Rio e São Paulo.
Por esses portos circularam não apenas mercadorias mas também pessoas e idéias, que ajudaram a pôr um fim à escravatura e trouxeram, por meio da imigração européia e japonesa, um significativo reforço cultural e humano ao amálgama de portugueses brancos, negros africanos e ameríndios que constituiu a base da civilização brasileira.
Com a Revolução de 1930, inaugura-se um processo de industrialização pesada e acelerada a partir da substituição de importações, o que, na prática, representa o início de um período de seis décadas no qual os portos se atrofiaram e funcionaram em uma só mão de direção. Protegido por reserva de mercado, surgiu um parque industrial diversificado que produz quase tudo, mas nem sempre com a qualidade e o preço que seriam de desejar.
Apenas em 1990, com nova abertura aos produtos importados, o Brasil entra efetivamente na segunda etapa da globalização, quando são criadas as condições para que a inflação endêmica seja debelada. O comércio internacional de mão dupla representa o fator decisivo para a estabilização dos preços, oferecendo opções ao consumidor e levando a indústria nacional a competir e se modernizar.
Chegamos dessa forma à encruzilhada atual: apesar do crescimento recente das trocas externas, nossa fatia no comércio mundial não supera 1% do total. Uma das causas desse descompasso é o gargalo logístico, razão pela qual a Fecomercio-SP e a Anut (Associação Nacional dos Usuários do Transporte de Carga) elegeram o debate sobre a modernização portuária como um dos focos das comemorações que organizam em torno da efeméride dos 200 anos. Carecemos também de uma estratégia de inserção na economia mundial. Vamos perseguir um processo de industrialização como o da China, que devasta a natureza sem incluir parcelas significativas da população nos resultados de seu crescimento vertiginoso? Vamos imitar a Índia, onde as ilhas de prestação de serviços são uma gota de excelência no oceano do atraso?
O comércio brasileiro defende opção diversa: nosso país deve se situar na vanguarda da proteção à natureza e da responsabilidade social. Se esse projeto, de fazer do Brasil uma potência ambiental, que respeita a natureza e o ser humano para além do lucro, for encampado pelos governos e pelas empresas, nos próximos séculos, estaremos aptos a exportar, com os produtos, um exemplo de convivência pacífica e de preservação do planeta.


ABRAM SZAJMAN, 68, empresário, é presidente da Fecomercio-SP (Federação do Comércio do Estado de São Paulo) e dos Conselhos Regionais do Sesc (Serviço Social do Comércio) e do Senac (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial).

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