São Paulo, quarta-feira, 26 de novembro de 2008

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TENDÊNCIAS/DEBATES

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Como interpretar o vandalismo nas escolas?

DAGMAR M. L. ZIBAS


O vandalismo praticado é um protesto contra a completa desesperança de encontrar na escola a chave para um futuro melhor

DEPOIS DAS impactantes imagens da depredação da escola estadual Amadeu Amaral por seus alunos, em São Paulo, e da desmedida repressão policial, diversos especialistas vieram a público para opinar sobre o lamentável episódio.
O diagnóstico de decadência institucional, como levantado pelo professor Sérgio Kodato em entrevista a esta Folha (Cotidiano, 13/11), tende a ser consenso entre os analistas. O que falta é mapear a exata dimensão desse processo e aprofundar o debate sobre as soluções.
Remontar à origem da decadência do sistema público não é tarefa fácil.
As esferas oficiais tendem a minimizar suas responsabilidades, relacionando as dificuldades constatadas ao grande aumento da matrícula em todo o ensino básico. Mais difícil é reconhecer os efeitos deletérios das políticas dos anos de 1990, que, em São Paulo, são maximizados pela prolongada continuidade político-administrativa no Estado.
Na base dessas políticas está o argumento de que os recursos destinados à educação não precisariam ser aumentados, mas apenas mais bem administrados.
A decantada valorização do magistério não contemplou aumento de salários que tornasse a carreira docente atraente para jovens mais bem formados. Ao contrário, os professores foram considerados "insumos" secundários, abaixo, por exemplo, da necessidade de distribuição de livros didáticos.
Nessa abordagem, o alarmante problema da repetência foi "resolvido" pela adoção de fato da promoção automática, sem que a escola fosse equipada com instrumental adequado para a recuperação de alunos com aprendizagem defasada.
O vandalismo praticado é uma forma caótica de chamar a atenção para os repetidos erros e omissões das políticas educacionais. É um grito de revolta pela precariedade das instalações e dos recursos didáticos, pela debilidade da formação do magistério e pelas sofríveis condições do trabalho docente. É um protesto difuso, explosivo e não elaborado, mas claramente voltado contra a implacável deterioração institucional, a inutilidade da freqüência às aulas e a completa desesperança de encontrar na escola a chave para um futuro melhor.
Infelizmente, o grau de rebaixamento de todo o processo educativo é de tal ordem que nossos jovens não possuem instrumentos para construir canais mais produtivos para expressar suas frustrações.
Nesse sentido, vale lembrar o exemplo dos secundaristas chilenos, que, desde 2006, estão organizados em um movimento de rebelião, às vezes latente e outras vezes explícito, que já rendeu a aprovação de uma nova legislação educacional e alçou os estudantes daquele país à condição de atores políticos essenciais na cena educacional.
Entre nós, as soluções para o fracasso do sistema público são conhecidas e se traduzem em antigas reivindicações dos educadores: adequada formação inicial e continuada dos docentes, valorização do magistério, com melhores salários e correspondente responsabilização pelo trabalho realizado, dedicação de tempo integral dos professores a um só estabelecimento, maior permanência diária dos alunos na escola, recursos didáticos ricos e variados (laboratórios, internet, biblioteca, equipamentos esportivos, dispositivos multimídia).
Aulas expositivas instigantes, desenvolvimento de projetos interdisciplinares, pesquisas em laboratórios, em bibliotecas, na internet ou no meio social circundante, acompanhamento individualizado das dificuldades e dos progressos de cada estudante, visitas a museus, acesso a teatro, concertos, cinema -tudo isso constitui procedimentos didáticos que se complementam.
Com tal estrutura e com tal dinâmica, a motivação para o ensino e para a aprendizagem estaria restabelecida, e banida definitivamente a eclosão de violência.
Esse dispendioso projeto é uma utopia ou o Brasil poderia dispor de recursos para realizá-lo? O artigo de Janio de Freitas, na Folha de 13/11, divulga alguns dados do Ipea que podem ajudar a responder a essa questão: de 2000 a 2007, o valor destinado à educação no Brasil foi de R$ 149,9 bilhões; no mesmo período, o valor reservado para pagar juros aos compradores de títulos da dívida pública foi de R$ 1,268 trilhão.
Claramente, esse "vandalismo" praticado em cima de nossos recursos supera em muito o vandalismo nas escolas.

DAGMAR MARIA LEOPOLDI ZIBAS, pedagoga, é mestre em psicologia da educação pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) e doutora em educação pela USP. Desde 1983, foi pesquisadora da Fundação Carlos Chagas, aposentando-se em 2008.



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