São Paulo, terça-feira, 26 de dezembro de 2000

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Tributos e medicamentos

IVES GANDRA DA SILVA MARTINS


O controle de preços não resolve o problema de quem não tem como pagar e prejudica aqueles que podem fazê-lo
Há, indiscutivelmente , um esforço do ministro José Serra em reduzir o preço dos medicamentos, principalmente os de uso continuado. Suas iniciativas de baixar os níveis de tributação da Cofins (Contribuição para Financiamento da Seguridade Social) e do PIS (Programa de Integração Social), assim como adotar o sistema de substituição tributária para frente, a fim de eliminar a sonegação desde a incidência na origem, foram elementos relevantes para que política de medicamentos mais baratos se delineasse.
É bem verdade que o controle de preços -técnica que dificulta a concorrência e gera distorções-, exercido no passado, já provocou uma defasagem ainda a ser corrigida, mas não a ponto de anular os benefícios obtidos pela solução ofertada.
A questão, todavia, está agora na dependência do governo do Estado de São Paulo e dos governos estaduais, que, certamente, estão aguardando uma sinalização do governador de São Paulo, Mário Covas, para adotar suas próprias políticas de incentivos num setor essencial à saúde pública.
Sem uma redução do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), o esforço federal, apesar de grande, pouco benefício trará à população, já que o imposto estadual afeta mais que os tributos federais a composição da carga impositiva sobre medicamentos.
O governo de São Paulo já demonstrou sensibilidade em relação ao problema em algumas manifestações dos professores Clóvis Panzarini e Nakano, assim como do próprio governador Mário Covas, antes de sua operação, que deverá, se Deus quiser, curá-lo de vez, para o bem de São Paulo e do Brasil.
Uma política nacional tributária para os medicamentos essenciais, se vier a ser adotada por São Paulo nos termos daquela deflagrada pelo ministro José Serra, certamente atingirá o objetivo maior, ou seja, oferecer remédios mais acessíveis à população.
O interessante é que uma política dessa natureza, conjugando esforços da União e dos Estados em prol da redução da carga tributária, com a adoção do mecanismo da substituição tributária, não implicará necessariamente efetiva redução de arrecadação, visto que o mecanismo da incidência na origem (art. 150, parágrafo 7º, da Constituição) produz diminuição no nível de evasão fiscal e contribui para aumentar substancialmente a arrecadação do Estado.
Tal instrumento permitirá ao governo, num futuro próximo, expandir a relação de medicamentos isentos da Cofins e do PIS e reduzir ainda mais o preço médio dos produtos farmacêuticos.
Há necessidade, todavia, da efetiva implantação desses mecanismos para que se obtenha um melhor controle da arrecadação. A tributação far-se-á nos próprios estabelecimentos produtores, sem possibilidade de evasão tributária na venda ao consumidor.
Tais mecanismos dificultarão, por outro lado, algo que a todos preocupa, ou seja, a venda de produtos que fazem "turismo" entre os Estados, têm seu prazo de validade vencido ou são adulterados, já que não há controle eficiente e há uma multiplicação do número de estabelecimentos fiscalizados que possuem um leque maior de alternativas para lesar o Fisco.
Hoje o sistema prejudica as drogarias que pagam impostos e dificulta a oferta de produtos bons e baratos. Isso se dá na medida em que o facilita o tráfego de notas e de medicamentos fabricados em São Paulo para outros Estados, retornando os mesmos produtos com alíquota menor.
A substituição tributária para frente atualmente é considerada constitucional e legal pelos tribunais superiores, sendo, para a hipótese, a solução ideal. Lembre-se que algumas farmácias são utilizadas no "escoamento" de medicamentos roubados e falsificados. Com a substituição tributária e o fim da evasão fiscal, elas tenderão a desaparecer.
Por sua vez, as empresas atacadistas que as alimentam, especializadas em "turismo" de notas fiscais, verão sua "clientela" diminuir significativamente.
Com menos tráfego de mercadorias e de notas, com melhor controle da fiscalização e com a redução dos tributos sobre os medicamentos, a tentação para sonegar será praticamente eliminada e isso é bom para o país e para a saúde.
É o momento de unir esforços de fabricantes, redes de distribuição, drogarias e farmácias, assim como da classe médica, para que o preço dos medicamentos possa ser acessível à maioria da população, que deles depende.
Meu único receio na política adotada é quanto ao congelamento de preços por um ano, em economia instável e sujeita a todos os reflexos da conjuntura externa. Tal mecanismo retrógrado tem apresentado péssimos resultados ao longo da história (desde Hamurábi, há 3.800 anos, não dá certo). O congelamento, portanto, poderá prejudicar tão boa iniciativa. E tenho minhas dúvidas se é necessário, tendo em vista a entrada dos medicamentos genéricos no mercado, política sabiamente introduzida pelo ministro Serra.
A concorrência com o genérico é a forma mais eficaz de coibir o aumento abusivo de preços e de possibilitar o acesso aos medicamentos pela população de baixa renda.
O controle de preços, ao contrário, não resolve o problema de quem não tem como pagar e prejudica aqueles que podem fazê-lo. A indústria farmacêutica deixa de lançar novos fármacos e pára de investir e até de produzir, como ocorreu na época do Plano Cruzado, de triste memória.
O primeiro passo foi, entretanto, dado pelo Ministério da Saúde.
Ives Gandra da Silva Martins, 65, professor emérito da Universidade Mackenzie, da Universidade Paulista e da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, presidente do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo e do CEU (Centro de Extensão Universitária).


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