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São Paulo, sexta-feira, 26 de dezembro de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Menos Alca, mais Bric

EDEMAR CID FERREIRA

Nas últimas semanas, a mídia brasileira refletiu um debate sobre as negociações para formar a Área de Livre Comércio das Américas, a Alca, que, eivado de emoção, justamente por contrapor as posições do Brasil às dos EUA, foi comparado por um diplomata a um Fla-Flu. No entanto o jogo da Alca nem começou ainda, o placar está zerado e não há resultados a auferir.
Mas há um outro jogo, este sim com resultados concretos e positivos, em que os "players" -Brasil, Rússia, Índia e China (Bric)- estão contaminados por entusiasmo e não por enfrentamentos, como acontece numa luta entre pesos desiguais, tal como a que se trava entre nosso país e os EUA.
O entusiasmo com que empresários e o governo têm se dedicado ao relacionamento do Brasil com os grandes países em desenvolvimento, com os quais temos semelhança em "approach" tecnológico, dimensão continental e multiétnica, envergadura econômica e projeção mundial, é uma nova história que começa a ser escrita e que interessa muito às nossas sociedades. Refiro-me, em particular, à intensificação de missões comerciais, visitas presidenciais, consultas diplomáticas bilaterais e multilaterais que têm ocorrido em direção a três parceiros: China, Índia e Rússia.


A atenção do empresariado brasileiro deve estar mais focada nas oportunidades dos mercados da Rússia, Índia e China


O Banco Santos e a BrasilConnects sentem-se perfeitamente integrados nesse esforço diplomático e empresarial. Na China, onde abriremos um escritório de representação do Banco Santos e para onde a BrasilConnects levará uma importante mostra de arte plumária e arqueologia da Amazônia -digna do tratamento dispensado ao Brasil, o primeiro país a exibir sua arte e cultura na Cidade Proibida-, a aposta revela-se a cada dia mais compensadora.
A China é um "success story". Uma das principais potências comerciais do planeta, com um intercâmbio global na casa dos US$ 800 bilhões, é o segundo maior mercado para as exportações brasileiras. Neste ano, a corrente de comércio entre o Brasil e a China deve totalizar US$ 6,5 bilhões, sendo US$ 5 bilhões de vendas brasileiras.
O presidente Lula vai celebrar essa fase profícua do relacionamento com uma visita a Pequim, prevista para maio de 2004, ocasião em que inaugurará a mostra da BrasilConnects na Cidade Proibida. É com orgulho que contribuímos para a integração entre os dois povos, com um feito que marca uma fase de novas realizações culturais bilaterais: cerca de 800 mil pessoas puderam ver, neste ano, no pavilhão da Oca, no parque Ibirapuera, a impressionante mostra "Os Guerreiros de Xi" an e os Tesouros da Cidade Proibida".
A Índia, que detém a segunda maior população do mundo -1,1 bilhão de habitantes- e uma classe média consumidora estimada em 300 milhões, é outro exemplo de relação bilateral que amadurece frutos e indica acerto na opção da política externa do governo Lula, que privilegia o relacionamento Sul-Sul. Em 2000, o comércio bilateral somava menos de US$ 500 milhões. Neste ano, o intercâmbio deve atingir US$ 1,3 bilhão, com superávit para o Brasil.
O presidente Lula irá à Índia na data nacional do país: 26 de janeiro. Será homenageado, nas festividades, como convidado especial. No dia 27, os dois governos se reunirão em Nova Déli para um encontro bilateral em que serão assinados vários documentos. Em novembro, o chanceler Celso Amorim foi à Índia para inaugurar a primeira reunião de comissão mista entre os dois países, em que se identificaram diversas áreas de cooperação: ciência e tecnologia, comércio, educação, saúde, transportes e energia.
É sabido que os países do Norte estão curiosos, por que não dizer apreensivos, com o rumo das consultas entre esses parceiros em desenvolvimento. Afinal, o potencial de cooperação é enorme e ainda inexplorado. O Brasil, por exemplo, deve exportar US$ 5 bilhões para a China em 2003. Os chineses, entretanto, importam de todo o mundo US$ 300 bilhões. Ou seja, a mensagem é a de que temos muito o que vender à China.
O relacionamento com a Rússia sobressai como um dos que mais modificações sofreu nos últimos tempos. O resultado comercial é expressivo: o Brasil praticamente duplicou suas vendas para o mercado russo entre 1996 e 2002, passando de US$ 650 milhões para mais de US$ 1,25 bilhão. Do lado das importações, o salto foi menor: de cerca de US$ 300 milhões para US$ 450 milhões no período.
Há um potencial de cooperação significativo entre os dois países nas áreas cultural, de educação, ciência e tecnologia, aeroespacial e energética. A BrasilConnects também contribuiu, no ano passado, para o estreitamento de vínculos culturais com o povo russo: trouxemos para São Paulo a mostra "500 Anos de Arte Russa", em parceria com o Russian State Art Museum. É auspicioso o fato de que em 2004 haverá a terceira reunião da Comissão de Alto Nível, entre o vice-presidente do Brasil e o primeiro-ministro russo, dessa vez em Moscou.
A atenção do empresariado brasileiro deve estar mais focada nas enormes oportunidades dos mercados da Rússia, Índia e China do que nas esperanças (sem as desprezar) de uma Alca sadia.

Edemar Cid Ferreira, 60, economista, é presidente do Banco Santos e do Conselho da BrasilConnects.


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