São Paulo, Quinta-feira, 27 de Janeiro de 2000


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São Paulo: fé e esperança


A eliminação do analfabetismo é necessária para a incorporação dos excluídos


MARTA SUPLICY

 "O encanto da cidade, o interesse que ela suscitava vinham primeiro da sua diversidade" Lévi-Strauss

A pesquisa publicada pela Folha (23/ 1/2000) mostrou que 64% dos que vivem na cidade de São Paulo se pudessem iriam morar em outro lugar. Não o teriam feito ainda por não terem superado as dificuldades para tal mudança. A explicação me parece simplista. As pessoas permanecem aqui porque a cidade ainda é mais interessante do que outras alternativas. E, principalmente, porque existe fé no seu potencial e esperança em dias melhores.
Apesar de todas as suas mazelas -agravadas pelas duas últimas nefastas administrações e acirradas pela política econômica do governo federal- São Paulo continua sendo uma das três maiores cidades do mundo, com centros de decisão empresarial, sedes dos sistemas financeiros, hospitais de Primeiro Mundo, vida cultural intensa, atividade terciária de ponta e serviços especializados que vão da publicidade ao design e à moda.
São Paulo é uma cidade com recursos que poderiam pertencer a todos os seus cidadãos. Mas nela coexistem basicamente duas "cidades": a dos excluídos e a dos incluídos. São Paulo não tem o suficiente para a ganância de alguns, que têm de levar cartão vermelho e sumir da vida pública.
Em São Paulo os interesses privados tomaram o lugar dos públicos. A lógica de reservar a franja da zona urbana e da zona rural para os pobres atravessou incólume o século que está acabando. Uma legalidade urbana com a estruturação cuidadosa do espaço das elites foi construída, ao mesmo tempo em que se permitia uma zona de ilegalidade para os assentos populares.
Isso faz com que a legislação urbanística seja quase exclusivamente aplicável ou favorável a uma parte minoritária, que corresponde a 30% da cidade. Disso decorre o fato de os grandes conglomerados urbanos, tais como a Cidade Tiradentes, estarem sem economia local, sem espaços de lazer e cultura e sem agências bancárias.
Temos de ter planejamento com proposta de futuro para uma cidade global, civilizada e com "vida nas ruas". Um bairro é bem-sucedido quando uma pessoa se sente segura andando na rua. Como diz Jane Jacobs em seu livro "The Death and Life of Great American Cities": "...a primeira coisa a entender é que a paz pública -na calçada e nas ruas- das cidades não é mantida primeiramente pela polícia", sem negar sua importância. Ela é mantida basicamente por uma intrincada e (in)consciente rede de controles que ocorrem de forma sistemática e articulada entre os moradores. Quanto mais diversificado o uso da rua, maior a segurança. A apropriação do espaço público pelas pessoas faz com que mil olhos o construam e protejam.
E São Paulo precisa ser bonita. A boa imagem de uma cidade existe também no simbólico. Há necessidade de reconquistar os espaços públicos, criar um código de paisagem e limpeza das pichações e cartazes por todo lado, criar também novos e seguros parques.
Quem for administrar a cidade tem de ter consciência da parceria que será necessária com o capital privado e com as ONGs e da participação ativa do cidadão e cidadã. A eliminação do analfabetismo é necessária para a incorporação dos excluídos, assim como a criação de programas para o resgate da cidadania dos jovens que estão fora da escola e sem emprego. Também é fundamental a implantação do programa de renda mínima como um direito à cidadania, projeto apresentado por um parlamentar do PT e já convertido em lei, à espera de regulamentação.
Programas dessa natureza são fundamentais para combater as causas da exclusão e os caminhos para a marginalização social. A São Paulo que queremos está ao nosso alcance. Ela precisa ser construída pelo esforço conjunto da sociedade. Para isso criamos o Instituto Florestan Fernandes, cujo objetivo maior é pensar e elaborar propostas a curto, médio e longo prazo.
Numa cidade dinâmica como São Paulo, faz diferença a capacidade de administrar permanentemente a mudança. Uma chave básica do desenvolvimento é ter metas claras, visão estratégica e capacidade de inovar. A elaboração de um plano estratégico deve incluir participação popular em um processo constante, convertendo-se num dos meios mais eficazes para criar consenso, pacto social e superar o esgarçamento de seu tecido social.
Nós não vamos conseguir recuperar a auto-estima e o prazer dos que moram aqui se não moralizarmos os serviços públicos e melhoramos sua abrangência e qualidade. Isso só parece possível com uma administração radicalmente transparente, rigorosa no combate à corrupção e ao descaso e que ouça e respeite o povo.
São Paulo não é só uma referência econômica no país. Precisa ser uma forte referência política. Ela já se provou fantástica pela criatividade de sua gente e por possuir muitos centros regionais. Para ser governada democraticamente, é preciso implantar em suas sub-regiões conselhos de representação eleitos pelos cidadãos e cidadãs que atuem com as subprefeituras com poder real de decisão, capazes de encaminhar soluções para os problemas locais, criando novas formas de gestão. Isso propiciará não só o resgate, mas a emergência e o reconhecimento do potencial de contribuição de cada um que a constrói cotidianamente.
Queremos uma São Paulo acolhedora, orgulhosa de suas múltiplas identidades. Somos o resultado de trabalho e luta, alegrias, esforço e conquista. Mas precisamos ser, já, uma cidade-cidadã.


Marta Suplicy, 54, psicanalista, é presidente do Instituto de Políticas Públicas Florestan Fernandes e pré-candidata do PT ao governo municipal.




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