São Paulo, terça-feira, 27 de janeiro de 2004

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ROBERTO MANGABEIRA UNGER

Por que oposição?

Por que opor-se a governo que ainda parece contar com o apoio e a esperança da maioria do povo brasileiro? E por que não contentar-se com a oposição feita pelas forças derrotadas na eleição presidencial de 2002?
A melhor razão para fazer oposição agora não é lutar contra a política econômica mais nociva aos interesses do trabalho e da produção que já se executou no Brasil desde o governo do marechal Dutra. Também não é combater política social que, em vez de capacitar todos e de fortalecer a classe média, prefere os programas "focados só em pobres" que as autoridades do Primeiro Mundo recomendam aos governos do Terceiro.
A razão maior para fazer oposição está no dever de resistir ao assalto em curso contra as instituições republicanas e a idéia democrática no Brasil. A relativa obscuridade desse assalto, quase invisível aos olhos da nação e distante das preocupações da população, aumenta-lhe os perigos. Jamais daremos outro rumo ao Brasil se não derrotarmos esse ataque contra a república e a democracia, removendo do poder, pelo voto, os que o desfecharam.
Compõe-se o assalto de dois elementos: um, fincado no imaginário; o outro, nas instituições e nas práticas.
No imaginário, o assalto é o esforço de reduzir, de vez por todas, o horizonte da política progressista à humanização daquilo que seria economicamente inevitável. Essa abdicação do espírito foi consumada por meio de reviravolta que escarneceu da democracia, enfraquecendo-a. Por mais que se diga que o PT avisara, em letra miúda, que conduziria o país no figurino dos mercados financeiros, o eleitorado julgava votar por mudança de orientação. Foi enganado. E, como os falsários diziam encarnar a idéia da alternativa nacional, a trapaça ameaça desmoralizar, ao mesmo tempo, essa idéia e o voto.
Nas práticas e nas instituições, o assalto é a neutralização das forças que, em nossa sociedade tão desigual e em nossa democracia ainda frágil, podem oferecer contrapeso ao poder central. A doutrina do governo não é social-democracia nem neoliberalismo. É simplesmente hegemonia: o poder como meio e como fim. Com uma única exceção, os partidos progressistas fora do PT e as vertentes do PT fora do núcleo governante foram reduzidos a massa de manobra. A mídia, quase toda ela em situação pré-falimentar, foi quase toda posta de joelhos. Fundiram-se as agências reguladoras, os bancos públicos e os fundos de pensão num só instrumento grosseiro de manipulação de negócios. Os grandes empresários estão mais intimidados e acocorados de que nunca. Agora o Palácio quer enquadrar os procuradores, cuja responsabilidade mais importante é enquadrar o Palácio. A próxima instituição a ser ameaçada com mordaça e tacão será a universidade.
Resistir a tudo isso e reabilitar a idéia de alternativa nacional são as tarefas prioritárias na política brasileira hoje. Não as podem cumprir as forças, batidas em 2002, que já brincavam com esse fogo antidemocrático e anti-republicano. Só a pode cumprir uma oposição que, despida de ilusões e de concessões, porém rica em propostas e em virtudes, aceite começar do quase nada. E que anuncie ao país, ainda descrente, que se baterá em 2006 pela Presidência da República e que a ganhará.


Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.
www.law.harvard.edu/unger


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