São Paulo, terça-feira, 27 de janeiro de 2004 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES A volta da barbárie
JORGE BOAVENTURA
São eles os adoradores do "deus" mercado, versão moderna do bezerro de ouro, os quais, vitimados pela própria barbárie que lhes vai no íntimo, vêm tornando o mundo em que vivemos no inferno que, a cada dia mais claramente, angustia e patenteia-se diante dos olhos de todos. É que está em ação o que chamamos de "Segundo Plano da História", não no sentido das teorias do planejamento, mas, melhormente, no das leis da perspectiva. Segundo as nossas raízes culturais judaico-cristãs, trata-se da Providência, que concedendo livre arbítrio ao homem, não os impede de fazerem aquilo que decidam fazer; mas não os dispensa de colherem os frutos e consequências do que fizerem. Assim, quando, no art. 6º da declaração mencionada acima, fizeram "tábula rasa" das Escrituras e entregaram tudo ao arbítrio de maiorias manipuláveis quanto à composição e à natureza das leis a serem elaboradas, fizeram-no baseados em erros crassos -como, por exemplo, serem maiorias fontes necessárias de verdade. O que realmente desejavam, e conseguiram, era empolgar as rédeas do processo histórico, de vez que os que comandam a nação pluriestatal a que já nos referimos dispõem dos meios para, pela manipulação das emoções populares, tangerem as multidões para as urnas, de sorte a fabricarem as maiorias de que precisam. Ao varrerem, porém, o referencial fixo de valores representado pelas Escrituras, tornaram epidêmica a corrupção em todos os seus sentidos, a qual, fundada em outro erro crasso consistente na confusão entre o conceito de liberdade, no plano metafísico, com o exercício da liberdade por parte de seres que, como somos todos, trazemos tendências boas e construtivas, a par de outras, egoísticas e anti-sociais, acarretou a desordem generalizada e denunciadora da sua verdadeira fonte. Essa, em desespero, multiplica as violências e os erros de que é autora, e já não consegue mais ocultar a sua verdadeira face. E cada vez afunda mais, como ocorre a alguém que está afundando em areia movediça. Não para jactar-nos, mas para que o leitor preste mais atenção ao que estamos oferecendo à consideração da sua inteligência e da sua consciência, queremos dizer-lhe que, muitos meses antes de acontecer, afirmamos e publicamos que viria o ataque ao Iraque, qualquer que fosse a opinião da ONU -o que mostra o quanto levam a sério as maiorias, os mentores da nação pluriestatal-, que o referido ataque ocorreria, o mais tardar, em meados de março e, o que tantos consideraram loucura à época, que os perdedores seriam os agressores. Em texto recentemente publicado nesta Folha, o seu brilhante colaborador Clóvis Rossi -e, por favor, não pense o leitor que estamos insinuando que esse excelente cronista pensa como nós- realizou excelente metáfora, consistente em comparar a iniciativa do sr. Bush "et caterva", que, alegando suprimir o terrorismo, não fez mais do que abrir a caixa de Pandora de onde esse eclodiu e, cada vez mais, se multiplica e se espalha pelo mundo. Por favor, leitor amigo, procure refletir sobre o art. 6º da "declaração", sobre a depravação do ideal democrático a que chamam de democracia e, libertando-se da magia da propaganda, veja os frutos que estão patentes aqui e no mundo inteiro. Afinal, parece muito sábia a lição "pelos frutos os conhecereis". Jorge Boaventura, 80, ensaísta e escritor, é conselheiro do Comando da Escola Superior de Guerra. Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Tom Zé: 450: comemoração em plástico Próximo Texto: Painel do leitor Índice |
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