São Paulo, domingo, 27 de janeiro de 2008

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Para democratizar e pacificar o Iraque

EDUARDO MATARAZZO SUPLICY


Quando desembarquei no aeroporto de Bagdá, fiquei impressionado com o aparato de segurança da visita oficial


QUANDO desembarquei no aeroporto de Bagdá, acompanhado de nosso embaixador no Iraque, Bernardo de Azevedo Brito, fiquei impressionado com o aparato de segurança da visita oficial.
Seis pessoas da empresa inglesa contratada para nos proteger, com metralhadoras e olhando atentamente para todos os lados, abriam caminho pelo saguão. Um número maior de seguranças do governo iraquiano, ao mesmo tempo, nos acompanhava de perto.
Para ir do aeroporto à área verde [zona de segurança reforçada] de Bagdá, uns 40 minutos, com uma caminhonete à frente e outra atrás da nossa, vestimos coletes e capacetes à prova de balas.
Diferente do que era, conforme nos disse um iraquiano que há tempo não via sua cidade natal, a mais bela do mundo para ele, Bagdá agora está toda cercada de muros de concreto que impedem você de ver, a cada quarteirão, os edifícios, os palácios e as residências. São inúmeros os "checkpoints" em que tivemos que mostrar os documentos para prosseguir.
Fomos alojados num "compound" da companhia de segurança em quartos simples cercados de sacos de areia para amortecer eventuais morteiros.
Tudo isso aumentou minha convicção de que, diante dessas circunstâncias que separam os seres humanos que desaprenderam a viver com civilidade, urge transmitir aos iraquianos o quanto poderão avançar com vistas à democratização e à pacificação de seu país se instituírem instrumentos que visem assegurar a prática dos princípios de justiça.
Eis por que o presidente da Assembléia Nacional do Iraque, Mahmoud al Mashhadani, o ministro do Planejamento, Ali Ghalib Baban, o ex-primeiro-ministro e líder do principal partido, Ibrahim al Jaafari, além de diversos outros ministros, parlamentares e do presidente da Alta Corte, ouviram-me com grande atenção.
Os dois primeiros me receberam em suas residências, como sinal de amizade "ao amigo que, mesmo correndo risco, veio do Brasil, um país com cujo exemplo de democratização, de boa convivência de pessoas das mais diversas origens", eles querem aprender, assim como com o futebol, já que o técnico Jorvan Vieira os levou a vencer a Copa da Ásia.
Lembrei da entrevista do treinador, que observou que, de início, parecia difícil para os xiitas passar a bola para sunitas, curdos e outros. Ao harmonizar os jogadores, tinha conseguido levá-los a vitória. Meus anfitriões ficaram emocionados quando lhes dei uma camisa da seleção brasileira e uma do Santos assinada pelo Pelé, com uma mensagem a favor da paz, assim como o filme "Pelé Eterno".
Após as explicações sobre como poderiam separar parte dos rendimentos provenientes da exploração dos recursos naturais, como o petróleo, para instituir um fundo que pagaria aos 30 milhões de iraquianos uma renda básica de cidadania, ficaram entusiasmados. O exemplo pioneiro e bem-sucedido que guarda semelhança com o que pode ocorrer no Iraque é o do sistema de dividendos proporcionado pelo Fundo Permanente do Alasca desde o início dos anos 80.
Quando lhes contei como o Congresso brasileiro aprovara a lei que prevê a instituição gradual da renda de cidadania, começando pelo Bolsa Família, o ministro Ali Baban ponderou que o governo vem considerando fórmulas alternativas que levem em conta experiências de outros países com riqueza petrolífera, mas que, primeiro, avaliaram importante separar recursos para investir na infra-estrutura destruída pela guerra.
Ele também se mostrou um entusiasta do microcrédito à luz da experiência de Muhammad Yunus. Relatei meu diálogo recente com o Nobel da Paz sobre como harmonizar a renda básica e o microcrédito. Al Mashhadani foi assertivo em dizer que a Assembléia Nacional do Iraque, onde muitos parlamentares são jovens, aprovará um instrumento como o que propus e convidou-me a voltar ao país para aprofundar a discussão.
Essa foi uma das mais significativas viagens que fiz na vida. Também o presidente, Jalal Chaya, e o vice-presidente da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Iraque, Nawfal Alssabak -nosso intérprete em vários diálogos-, que muito colaboraram para essa missão de aproximação dos dois povos, ficaram muito contentes com os resultados da viagem.
Os iraquianos ficaram especialmente sensibilizados quando contei que Sérgio Vieira de Mello havia abraçado a causa da renda básica e que estava lhes sugerindo que a colocassem em prática pouco antes de ser assassinado. Al Mashhadani ressaltou a estima que o Iraque tem por esse brasileiro que vinha trabalhando pela paz e falou que em breve será construído um monumento em sua homenagem em Bagdá.


EDUARDO MATARAZZO SUPLICY , 66, doutor em economia pela Universidade Estadual de Michigan (EUA), professor da FGV, é senador da República pelo PT-SP. É autor do livro "Renda de Cidadania - A Saída é pela Porta".

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