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São Paulo, quinta-feira, 27 de março de 2003

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CLÓVIS ROSSI

"Não acredito mais"

SÃO PAULO - A percepção de que a administração George Walker Bush violou regras básicas de comportamento não é apenas dos franceses ou das massas que se manifestam, dia sim, outro também, nas ruas de incontáveis cidades do mundo.
Está presente até no Departamento de Estado, do que dá forte testemunho a carta de renúncia ao serviço diplomático encaminhada ao secretário Colin Powell por John Brady Kiesling, conselheiro político da embaixada dos Estados Unidos em Atenas até o dia 7 deste mês.
Kiesling diz, na carta, que servir como diplomata norte-americano era "o emprego dos sonhos". Tradução: não entrou na carreira para enriquecer, subir na vida ou coisa parecida, mas por pura convicção (ou sonho).
Tampouco era um cidadão que já tivesse desconfianças em relação a seu país. Na carta, Kiesling diz: "Minha fé em meu país e em seus valores era a mais poderosa arma no meu arsenal diplomático".
O governo Bush violou sua fé. Escreve o ex-diplomata: "Até esta administração, tinha sido possível acreditar que, ao sustentar as políticas do meu presidente, eu estava sustentando os interesses do povo americano e do mundo. Não acredito mais".
É evidente que os Estados Unidos não vão ficar menos poderosos nem mal defendidos com a ausência de Kiesling do serviço diplomático.
Mas é igualmente evidente que romper valores e violar a fé de seus próprios cidadãos acaba tendo, a médio e a longo prazo, um efeito corrosivo sobre o moral de uma sociedade.
E a grande força dos EUA está dada menos pelos seus Tomahawks, pelos seus B-52s e pelas mães de todas as bombas do que pela convicção da maioria do seu público de que eles são súditos de um grande império, sim, mas do império do bem.
A questão é saber quantos americanos, com o tempo, também dirão: "Não acredito mais".


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