|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
FERNANDO DE BARROS E SILVA
Da dança ao lixão
Faltava à impunidade uma imagem. Ela veio na forma de coreografia, envolta em trajes amarelos,
cheia de malemolência, brasileiríssima, como se o próprio Duda Mendonça a tivesse imaginado. A "requebra" de decoro da deputada Angela
Guadagnin foi a homenagem involuntária que ela e o PT prestaram à democracia que ambos só fazem aviltar.
A farra dos mensaleiros vinha se beneficiando, de um lado, de certa desatenção de uma imprensa preocupada
demais coma novela tucana e as agruras de Palocci, e, de outro, da exaustão
do público, já saturado de escândalos
e quase sem fôlego para acompanhar
a sorte daqueles que foram beneficiados pela mala preta de Valério.
Incansável pizzaiola, engajada desde
o início, no processo de Zé Dirceu, em
obter a medalha de honra ao mérito
da tropa de choque dos mensaleiros,
Guadagnin tanto fez e rebolou que
conseguiu reacender os holofotes sobre o palco onde seus pares já atuavam à meia-luz, quase na penumbra.
Médica como seu colega Palocci,
doutora Guadagnin forneceu o antídoto para o efeito anestésico que o
próprio excesso de escândalos havia
provocado na sociedade.
A analogia é irresistível: como no caso da dançarina do "Cabaré Mineiro"
-famoso poema de juventude de
Carlos Drummond de Andrade-,
"cem olhos brasileiros estão seguindo/
o balanço doce e mole de suas tetas".
Agora será mais difícil -ou no mínimo mais constrangedor- absolver o
ex-presidente da Câmara João Paulo.
Também será, ou deveria ser, mais
complicado deixar escapar o deputado José Mentor. Veremos.
O PT, porém, insiste em tripudiar
sobre este mínimo que a democracia
lhe cobra. Ou, pior: o PT está cobrando um preço alto demais da democracia. O que se pode ainda esperar de
um governo que viola o sigilo bancário de um Francenildo para limpar a
barra do seu ministro da Fazenda?
O constrangimento contra alguém
já socialmente humilhado, o atropelo
das garantias e liberdades individuais,
o estupro do Estado de direito -tudo
aponta para um nítido quadro de delinqüência patrocinada pelo Estado.
Antes era caixa dois, não era "mensalão". Agora é vazamento, não é violação. O enredo soa tanto mais kafkiano na medida em que sua inspiração
stalinista aparece como algo acidental,
como se ninguém da cúpula do governo tivesse nada a ver com a história.
O governo busca "normalizar" um
quadro anômalo, ao mesmo tempo
em que tenta se "desresponsabilizar"
pelos crimes que cometeu. É cínico e
mentiroso. Esses são hoje os traços
distintivos do modo petista de governar. Isso vale para Lula, vale para Guadagnin, vale para todos. Márcio Thomaz Bastos é ministro da Justiça do
país ou advogado de defesa do PT?
O "banho de ética" prometido por Geraldo Alckmin ao Brasil acaba de se
tornar uma ducha de água fria com a
excelente reportagem de Frederico
Vasconcelos, nesta Folha, a respeito
do "lixão" -como eram chamados
os anúncios da Nossa Caixa politicamente direcionados pelo governo do
Estado, tudo por baixo do pano.
Isso para não falar nas 400 peças de
alta-costura de dona Lu, todas "doadas" pelo estilista Rogério Figueiredo.
Pois é. Os alckmistas estão chegando,
estão chegando os alckmistas.
Fernando de Barros e Silva é editor de Brasil.
Hoje, excepcionalmente, não é publicado o artigo
de João Sayad, que escreve às segundas-feiras
nesta coluna.
Texto Anterior: Rio de Janeiro - Plínio Fraga: O que quer a esquerda Próximo Texto: Frases
Índice
|