|
Próximo Texto | Índice
Editoriais
editoriais@uol.com.br
Gilmar Mendes
Defensor intransigente dos direitos individuais, ministro ficará como um dos mais polêmicos e ativos presidentes do STF
A PREÇO PELO confronto
público de ideias e
temperamento dado à
polêmica são características, em princípio, indesejáveis num juiz. A combativa personalidade do ministro Gilmar
Mendes, no entanto, se mostrou
valiosa para enfrentar resistências e impor à Justiça brasileira
uma gestão modernizadora nos
dois anos em que esteve à frente
do Supremo Tribunal Federal.
O estilo também é condizente
com outras duas marcas de seu
mandato: a defesa intransigente
dos direitos individuais e a consolidação do STF como corte
constitucional, cuja função é arbitrar omissões ou conflitos de
princípios da Carta de 1988.
Ocasionais embates com os demais poderes da República surgiram desse movimento de afirmação do Judiciário, ainda que
Mendes não tenha resistido,
muitas vezes, a cometer excessos
retóricos na defesa do que em inglês se chama "law and order".
Houve também conflitos internos. Sob seu comando, a
imensa máquina do Judiciário
foi objeto de um salutar choque
gerencial. O Conselho Nacional
de Justiça, dirigido pelo presidente do STF, ganhou a legitimidade e os recursos necessários
para cumprir sua missão de aumentar a transparência administrativa dos tribunais e elevar a
eficiência do trabalho dos juízes.
O órgão tem buscado estabelecer indicadores de desempenho
e metas de produtividade. O objetivo de que todas as causas iniciadas antes de 2006 tivessem
uma sentença até o fim de 2009,
anunciado por Mendes, não foi
alcançado. Mas contribuiu para
reduzir a morosidade na análise
de casos pela Justiça. Não é desprezível, diga-se, a marca de 60%
dos processos pendentes resolvidos dentro do prazo previsto.
No Supremo, o momento mais
dramático, estima o próprio
Mendes, foi o episódio dos dois
habeas corpus concedidos em
sequência ao banqueiro Daniel
Dantas. O recurso é uma garantia constitucional dos cidadãos
contra abusos de autoridade -e
cabia a Mendes julgar o caso. O
juiz de primeira instância havia
decretado uma primeira ordem
de detenção provisória contra o
banqueiro, que o presidente do
STF decidiu reverter.
O juiz decretou então nova prisão. Ainda que agisse dentro de
suas prerrogativas, o gesto ganhou contornos de provocação.
Não houve equívoco nem exagero do presidente do Supremo ao
determinar que o banqueiro fosse novamente libertado.
É um erro considerar o episódio de forma isolada. Mendes defendeu o mesmo princípio quando comandou os chamados mutirões carcerários, em 20 Estados, que colocaram em liberdade
cerca de 20 mil pessoas indevidamente encarceradas.
Num país marcado pela impunidade, pode soar impróprio -e
é certamente impopular- defender suspeitos da sanha persecutória de setores do Estado.
Mas é tarefa da Justiça fazê-lo, e
Mendes cumpriu com desassombro sua função.
Mais comedimento na vocalização de opiniões, que em alguns
casos geraram conflitos com outras áreas do poder e da sociedade, teria sido recomendável. O
STF perde quando, ao se envolver em disputas, seu presidente é
publicamente criticado -já que
é inevitável alguma confusão entre a imagem do magistrado e a
da instituição que comanda.
Ao transferir o cargo para Cezar Peluso, no final de abril, Gilmar Mendes ficará não apenas
como um dos mais polêmicos
mas também como um dos mais
ativos presidentes da história do
Supremo Tribunal Federal.
Próximo Texto: Editoriais: Paciente 23225
Índice
|