São Paulo, sábado, 27 de março de 2010

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Gilmar Mendes

Defensor intransigente dos direitos individuais, ministro ficará como um dos mais polêmicos e ativos presidentes do STF

A PREÇO PELO confronto público de ideias e temperamento dado à polêmica são características, em princípio, indesejáveis num juiz. A combativa personalidade do ministro Gilmar Mendes, no entanto, se mostrou valiosa para enfrentar resistências e impor à Justiça brasileira uma gestão modernizadora nos dois anos em que esteve à frente do Supremo Tribunal Federal.
O estilo também é condizente com outras duas marcas de seu mandato: a defesa intransigente dos direitos individuais e a consolidação do STF como corte constitucional, cuja função é arbitrar omissões ou conflitos de princípios da Carta de 1988.
Ocasionais embates com os demais poderes da República surgiram desse movimento de afirmação do Judiciário, ainda que Mendes não tenha resistido, muitas vezes, a cometer excessos retóricos na defesa do que em inglês se chama "law and order".
Houve também conflitos internos. Sob seu comando, a imensa máquina do Judiciário foi objeto de um salutar choque gerencial. O Conselho Nacional de Justiça, dirigido pelo presidente do STF, ganhou a legitimidade e os recursos necessários para cumprir sua missão de aumentar a transparência administrativa dos tribunais e elevar a eficiência do trabalho dos juízes.
O órgão tem buscado estabelecer indicadores de desempenho e metas de produtividade. O objetivo de que todas as causas iniciadas antes de 2006 tivessem uma sentença até o fim de 2009, anunciado por Mendes, não foi alcançado. Mas contribuiu para reduzir a morosidade na análise de casos pela Justiça. Não é desprezível, diga-se, a marca de 60% dos processos pendentes resolvidos dentro do prazo previsto.
No Supremo, o momento mais dramático, estima o próprio Mendes, foi o episódio dos dois habeas corpus concedidos em sequência ao banqueiro Daniel Dantas. O recurso é uma garantia constitucional dos cidadãos contra abusos de autoridade -e cabia a Mendes julgar o caso. O juiz de primeira instância havia decretado uma primeira ordem de detenção provisória contra o banqueiro, que o presidente do STF decidiu reverter.
O juiz decretou então nova prisão. Ainda que agisse dentro de suas prerrogativas, o gesto ganhou contornos de provocação. Não houve equívoco nem exagero do presidente do Supremo ao determinar que o banqueiro fosse novamente libertado.
É um erro considerar o episódio de forma isolada. Mendes defendeu o mesmo princípio quando comandou os chamados mutirões carcerários, em 20 Estados, que colocaram em liberdade cerca de 20 mil pessoas indevidamente encarceradas.
Num país marcado pela impunidade, pode soar impróprio -e é certamente impopular- defender suspeitos da sanha persecutória de setores do Estado. Mas é tarefa da Justiça fazê-lo, e Mendes cumpriu com desassombro sua função.
Mais comedimento na vocalização de opiniões, que em alguns casos geraram conflitos com outras áreas do poder e da sociedade, teria sido recomendável. O STF perde quando, ao se envolver em disputas, seu presidente é publicamente criticado -já que é inevitável alguma confusão entre a imagem do magistrado e a da instituição que comanda.
Ao transferir o cargo para Cezar Peluso, no final de abril, Gilmar Mendes ficará não apenas como um dos mais polêmicos mas também como um dos mais ativos presidentes da história do Supremo Tribunal Federal.


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