|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TENDÊNCIAS/DEBATES
O Congresso Nacional deve aprovar o Procultura?
NÃO
O certo pelo duvidoso
ODILON WAGNER e LEONARDO BRANT
PROJETO DE lei governamental,
o Procultura revoga o único mecanismo de financiamento à cultura do país (Lei Rouanet), substituindo-o por um instrumento de manipulação ideológica.
Mecanismo complexo, de arquitetura simples e base conceitual sólida,
a Lei Rouanet é divida em três partes:
o mecenato, constituído de incentivo
fiscal para doadores e patrocinadores;
o Fundo Nacional da Cultura (FNC),
que abarca os investimentos diretos
do Estado; e o Ficart, um ativador de
investimentos financeiros para indústria cultural nacional, com motivação de lucro.
Por falta de uma gestão competente ou de vontade política, dois desses
mecanismos, o FNC e o Ficart, nunca
atuaram adequadamente, transformando o mecenato no único instrumento válido de financiamento público à cultura. Um só guichê para
atender as mais diferentes áreas da
produção cultural.
Em seus 18 anos de funcionamento,
a Lei Rouanet tornou-se a salvação da
cultura nacional, ajudando a fomentar inúmeros empreendedores culturais, desde projetos comunitários até
a indústria do entretenimento.
Já em 2002 lutávamos todos por
mudanças na lei. Exigíamos transparência na aplicação do Fundo Nacional da Cultura, uma nuvem carregada
de interesses político-ideológico-partidários. Buscávamos a justa aplicação do Ficart, para que o Cirque du
Soleil não disputasse o mesmo mercado de produtores pequenos e independentes, como fez na atual gestão.
Nos últimos sete anos, observamos
o mecanismo crescer e se consolidar.
Porém sucessivas portarias e decretos dificultaram a vida dos pleiteantes
ao benefício público, que deveria ser
amplo e indiscriminado. Os entraves
burocráticos criados pelo Ministério
da Cultura transformaram-se na
maior causa da restrição de acesso aos
pequenos e "fora do eixo". Os números do próprio MinC demonstram
que a atual gestão fez aumentar a concentração nas regiões mais ricas.
Amparado por um assistencialismo
moldado à cara do freguês e por uma
campanha publicitária milionária, o
ministro Juca Ferreira correu o Brasil com um diagnóstico falso sobre a
exclusão cultural brasileira, atribuindo à Lei Rouanet a responsabilidade
por todos os problemas centenários
da nossa frágil política cultural, eximindo-se daquilo que não conseguiu
resolver ou enfrentar.
Com um verniz de participação democrática, lançou uma consulta pública e diz ter recebido mais de 2.000
contribuições. Sem apresentar transparência ou qualquer critério de qualificação das propostas, vem a público
com um dos maiores atentados contra a causa pública já vivenciados no
campo da cultura, o engodo chamado
Procultura.
O projeto decreta o fim da Lei
Rouanet e de todos os benefícios e
conquistas caros à produção cultural
brasileira. Além disso, diminui os benefícios de maneira abrupta e punitiva justamente à classe de artistas e
produtores culturais. Mas aumenta
os benefícios para a parte lucrativa
(Ficart), criando assim uma disparidade enorme em relação aos outros
mecanismos existentes, como as leis
do esporte e do audiovisual, que, por
sua vez, ampliaram os benefícios que
o Procultura pretende cortar de maneira injustificada e incoerente.
O projeto é uma afronta à democracia, pois desinstitucionaliza e personaliza a gestão pública. A CNIC (comissão julgadora de projetos), por
exemplo, passaria a atuar como uma
rainha da Inglaterra. Cheia de pompa
e circunstância, mas sem poder decisório, o que caberia somente à pessoa
do ministro.
Nenhum dos itens questionados e
exigidos pela sociedade são atendidos
pelo projeto. Não há um artigo sequer
que garanta a distribuição correta e
eficaz dos recursos públicos. Diante
disso não existe outra saída senão enterrar o Procultura e fazer o que o
MinC vem prometendo há sete anos:
uma reforma real da Lei Rouanet, baseada em estudos e pesquisas efetivos, que comprovem o impacto positivo das mudanças propostas.
ODILON WAGNER é ator, produtor e presidente da Associação dos Produtores Teatrais Independentes.
LEONARDO BRANT é pesquisador de políticas culturais,
presidente da Brant Associados, autor do livro "O Poder
da Cultura" e editor do site "Cultura e Mercado".
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
Texto Anterior: Frases
Próximo Texto: Ney Piacentini: Uma bandeira para o teatro
Índice
|