São Paulo, sábado, 27 de março de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS/DEBATES

O Congresso Nacional deve aprovar o Procultura?

NÃO

O certo pelo duvidoso

ODILON WAGNER e LEONARDO BRANT

PROJETO DE lei governamental, o Procultura revoga o único mecanismo de financiamento à cultura do país (Lei Rouanet), substituindo-o por um instrumento de manipulação ideológica. Mecanismo complexo, de arquitetura simples e base conceitual sólida, a Lei Rouanet é divida em três partes: o mecenato, constituído de incentivo fiscal para doadores e patrocinadores; o Fundo Nacional da Cultura (FNC), que abarca os investimentos diretos do Estado; e o Ficart, um ativador de investimentos financeiros para indústria cultural nacional, com motivação de lucro.
Por falta de uma gestão competente ou de vontade política, dois desses mecanismos, o FNC e o Ficart, nunca atuaram adequadamente, transformando o mecenato no único instrumento válido de financiamento público à cultura. Um só guichê para atender as mais diferentes áreas da produção cultural.
Em seus 18 anos de funcionamento, a Lei Rouanet tornou-se a salvação da cultura nacional, ajudando a fomentar inúmeros empreendedores culturais, desde projetos comunitários até a indústria do entretenimento.
Já em 2002 lutávamos todos por mudanças na lei. Exigíamos transparência na aplicação do Fundo Nacional da Cultura, uma nuvem carregada de interesses político-ideológico-partidários. Buscávamos a justa aplicação do Ficart, para que o Cirque du Soleil não disputasse o mesmo mercado de produtores pequenos e independentes, como fez na atual gestão.
Nos últimos sete anos, observamos o mecanismo crescer e se consolidar.
Porém sucessivas portarias e decretos dificultaram a vida dos pleiteantes ao benefício público, que deveria ser amplo e indiscriminado. Os entraves burocráticos criados pelo Ministério da Cultura transformaram-se na maior causa da restrição de acesso aos pequenos e "fora do eixo". Os números do próprio MinC demonstram que a atual gestão fez aumentar a concentração nas regiões mais ricas.
Amparado por um assistencialismo moldado à cara do freguês e por uma campanha publicitária milionária, o ministro Juca Ferreira correu o Brasil com um diagnóstico falso sobre a exclusão cultural brasileira, atribuindo à Lei Rouanet a responsabilidade por todos os problemas centenários da nossa frágil política cultural, eximindo-se daquilo que não conseguiu resolver ou enfrentar.
Com um verniz de participação democrática, lançou uma consulta pública e diz ter recebido mais de 2.000 contribuições. Sem apresentar transparência ou qualquer critério de qualificação das propostas, vem a público com um dos maiores atentados contra a causa pública já vivenciados no campo da cultura, o engodo chamado Procultura.
O projeto decreta o fim da Lei Rouanet e de todos os benefícios e conquistas caros à produção cultural brasileira. Além disso, diminui os benefícios de maneira abrupta e punitiva justamente à classe de artistas e produtores culturais. Mas aumenta os benefícios para a parte lucrativa (Ficart), criando assim uma disparidade enorme em relação aos outros mecanismos existentes, como as leis do esporte e do audiovisual, que, por sua vez, ampliaram os benefícios que o Procultura pretende cortar de maneira injustificada e incoerente.
O projeto é uma afronta à democracia, pois desinstitucionaliza e personaliza a gestão pública. A CNIC (comissão julgadora de projetos), por exemplo, passaria a atuar como uma rainha da Inglaterra. Cheia de pompa e circunstância, mas sem poder decisório, o que caberia somente à pessoa do ministro.
Nenhum dos itens questionados e exigidos pela sociedade são atendidos pelo projeto. Não há um artigo sequer que garanta a distribuição correta e eficaz dos recursos públicos. Diante disso não existe outra saída senão enterrar o Procultura e fazer o que o MinC vem prometendo há sete anos: uma reforma real da Lei Rouanet, baseada em estudos e pesquisas efetivos, que comprovem o impacto positivo das mudanças propostas.


ODILON WAGNER é ator, produtor e presidente da Associação dos Produtores Teatrais Independentes.
LEONARDO BRANT é pesquisador de políticas culturais, presidente da Brant Associados, autor do livro "O Poder da Cultura" e editor do site "Cultura e Mercado".

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br


Texto Anterior: Frases

Próximo Texto: Ney Piacentini: Uma bandeira para o teatro

Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.