São Paulo, terça-feira, 27 de abril de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ROBERTO MANGABEIRA UNGER

A sucessão é a solução

O eleitorado votou em 2002 por mudança de rumo. Recebeu em 2003 continuísmo travestido de prudência. Em nome da rejeição de aventuras, aventurou-se o governo a aposta temerária. Apostou em bonança trazida pelo juro baixo nos Estados Unidos; pela demanda forte da China; pelo contentamento dos mercados financeiros e dos governos do Atlântico Norte com seu conformismo; pela paciência aparentemente inesgotável do brasileiro; e pela ausência de correntes e de personalidades que pudessem dar voz à vontade nacional. Apostou que recuperação econômica tímida, dependente dessa constelação de circunstâncias favoráveis e balizada por arrocho fiscal e social, bastaria para estabilizar a dinâmica da dívida pública e para abrir espaço ao dinamismo intrínseco do país.
Por conta dessa aposta -motivada por falta de coragem, competência, clareza e imaginação-, o Brasil aproxima-se de colapso financeiro em quadro de desesperança social, sangria econômica, acefalia administrativa e vácuo de opção política. Qualquer trauma vindo de fora -seja subida do juro americano ou queda da demanda chinesa- ou de dentro -seja tentativa, após derrota nas eleições municipais, de diluir a pseudo-ortodoxa econômica para não ter de abandoná-la, ou início de salve-se quem puder entre os partidos aliados ao governo- poderá ser o sinal de que a aposta deu errado. Em poucas dias, a política montada nas areias da confiança financeira poderá ruir. E o governo, culpando os astros por se haver entregue a eles, mendigará novas operações internacionais de resgate e renegociará, em desordem e em pânico, suas dívidas.
Esse é o futuro provável do governo. Não é, porém, o futuro necessário do país. O futuro do Brasil depende de como encaminharmos a sucessão presidencial de 2006. Se não tomarmos iniciativa para transformar a situação sucessória, o eleitorado terá de escolher entre dois representantes de projeto que não deu e que não pode dar certo: o atual presidente e o presidente anterior, ou algum substituto deste, como o governador de São Paulo. Todos realistas demais para enfrentar a realidade. Todos mundanos demais para mudar o mundo.
O eleitor procurará quem faça o que ele mandou fazer em 2002. Há pessoas e forças capazes de desempenhar esse papel. Não são conhecidas da população; nada mais difícil em nossa política do que se fazer conhecido nacionalmente. Fica, por isso, a nação refém dos poucos que o conseguiram. Há, porém, o outro lado: o processo do conhecimento, tão difícil de iniciar, corre, uma vez iniciado, velozmente. Os partidos políticos, em número suficiente, vêm atrás.
Ânimo! Desprezando o pragmatismo antipragmático, demonstrando coerência e constância, credenciando o ardor com o sacrifício, comecemos a reunir forças e a demarcar rumos. Atuando primeiro dentro da classe média e das organizações sociais, lutemos para difundir nossa mensagem. Declaremos que entre nós surgirá candidato à Presidência da República em 2006. E tenhamos fé na capacidade da nação de reconhecer, em meio à escuridão que se lhe impõe, os agentes de seu soerguimento.
O governo traiu seu mandato e apostou no número 13. Entreguemo-nos a nossa tarefa e apostemos na intuição do país.


Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.

www.law.harvard.edu/unger


Texto Anterior: Rio de Janeiro - Carlos Heitor Cony: Proposta de paz
Próximo Texto: Frases

Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.