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ROBERTO MANGABEIRA UNGER
A sucessão
é a solução
O eleitorado votou em 2002
por mudança de rumo. Recebeu
em 2003 continuísmo travestido de
prudência. Em nome da rejeição de
aventuras, aventurou-se o governo a
aposta temerária. Apostou em bonança trazida pelo juro baixo nos Estados
Unidos; pela demanda forte da China;
pelo contentamento dos mercados financeiros e dos governos do Atlântico
Norte com seu conformismo; pela paciência aparentemente inesgotável do
brasileiro; e pela ausência de correntes
e de personalidades que pudessem dar
voz à vontade nacional. Apostou que
recuperação econômica tímida, dependente dessa constelação de circunstâncias favoráveis e balizada por
arrocho fiscal e social, bastaria para
estabilizar a dinâmica da dívida pública e para abrir espaço ao dinamismo
intrínseco do país.
Por conta dessa aposta -motivada
por falta de coragem, competência,
clareza e imaginação-, o Brasil aproxima-se de colapso financeiro em
quadro de desesperança social, sangria econômica, acefalia administrativa e vácuo de opção política. Qualquer
trauma vindo de fora -seja subida do
juro americano ou queda da demanda
chinesa- ou de dentro -seja tentativa, após derrota nas eleições municipais, de diluir a pseudo-ortodoxa econômica para não ter de abandoná-la,
ou início de salve-se quem puder entre
os partidos aliados ao governo- poderá ser o sinal de que a aposta deu errado. Em poucas dias, a política montada nas areias da confiança financeira
poderá ruir. E o governo, culpando os
astros por se haver entregue a eles,
mendigará novas operações internacionais de resgate e renegociará, em
desordem e em pânico, suas dívidas.
Esse é o futuro provável do governo.
Não é, porém, o futuro necessário do
país. O futuro do Brasil depende de
como encaminharmos a sucessão presidencial de 2006. Se não tomarmos
iniciativa para transformar a situação
sucessória, o eleitorado terá de escolher entre dois representantes de projeto que não deu e que não pode dar
certo: o atual presidente e o presidente
anterior, ou algum substituto deste,
como o governador de São Paulo. Todos realistas demais para enfrentar a
realidade. Todos mundanos demais
para mudar o mundo.
O eleitor procurará quem faça o que
ele mandou fazer em 2002. Há pessoas
e forças capazes de desempenhar esse
papel. Não são conhecidas da população; nada mais difícil em nossa política do que se fazer conhecido nacionalmente. Fica, por isso, a nação refém
dos poucos que o conseguiram. Há,
porém, o outro lado: o processo do conhecimento, tão difícil de iniciar, corre, uma vez iniciado, velozmente. Os
partidos políticos, em número suficiente, vêm atrás.
Ânimo! Desprezando o pragmatismo antipragmático, demonstrando
coerência e constância, credenciando
o ardor com o sacrifício, comecemos a
reunir forças e a demarcar rumos.
Atuando primeiro dentro da classe
média e das organizações sociais, lutemos para difundir nossa mensagem.
Declaremos que entre nós surgirá
candidato à Presidência da República
em 2006. E tenhamos fé na capacidade
da nação de reconhecer, em meio à escuridão que se lhe impõe, os agentes
de seu soerguimento.
O governo traiu seu mandato e
apostou no número 13. Entreguemo-nos a nossa tarefa e apostemos na intuição do país.
Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.
www.law.harvard.edu/unger
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