São Paulo, terça-feira, 27 de abril de 2010

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MARCOS NOBRE

Marina

COM CIRO GOMES enterrado vivo, Marina Silva ficou sozinha na posição de válvula de escape posta entre os dois polos da política brasileira. Pelo menos desde que esses dois polos se estabilizaram de vez, a partir de 2006.
É um papel ingrato, próprio de uma democracia precária. PT e PSDB formaram um cartel para excluir outros competidores pela liderança da política oficial. Só pela liderança, infelizmente, já que o efetivo domínio cabe a um centro político disforme, cada vez mais com a cara do PMDB. Mas foi esse, enfim, o produto da longa, penosa e sobressaltada transição democrática brasileira.
Não se sabe o que virá pela frente, claro. Se, com o tempo, esse será o caldo de cultura propício à eleição de um tipo ultraconservador -como indica o caso recente de Sebastián Piñera no Chile. Se um novo polo aparecerá -coisa que anda passando no mundo no último ano.
Se a amplitude da base comum aos dois polos vai chegar ao ponto de quase anular as diferenças -afinal, não é irrelevante que todas as figuras políticas mais jovens com pretensões falem em produzir a convergência entre eles. Marina inclusive.
E aí está o principal problema. É verdade que Marina está tentando sair do beco em que a política brasileira encurralou sua candidatura.
Quer convencer que é candidata para vencer, e não apenas para figurar. Mas comete o equívoco de achar que, para ganhar, tem de se apresentar também ela como variante do mesmo modelo. Só que, nesse figurino, não há espaço para mais nada que não seja a polarização entre PT e PSDB.
Até agora, Marina só conseguiu produzir confusão. Montou uma equipe que vai de um progressista histórico como Alfredo Sirkis até um conservador notório como Eduardo Giannetti da Fonseca.
Pressionada pelos setores mais progressistas de seu partido, recolhe-se a uma timidez ideológica lamentável. Instada pelos mais conservadores a se mostrar confiável, lembra seu apoio ao MST.
A continuar assim, Marina não vai conseguir evitar a sensação de um esforço inútil, a sensação de que o país perdeu uma grande senadora para ganhar apenas mais um sparring de alto nível para PT e PSDB disputarem o título que realmente interessa. Pelo menos na visão oficial do sistema político que representam.
Hoje, só Marina está em condições de tornar esta eleição melhor, forçando uma discussão de alternativas mais substantiva. Só ela poderia tentar bagunçar o roteiro já previamente combinado entre PT e PSDB. E evitar a velha sensação de que já vimos esse filme e que, no final, a democracia perde.

nobre.a2@uol.com.br


MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras nesta coluna.


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