|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TENDÊNCIAS/DEBATES
O casamento de homossexuais e o HIV
VICENTE AMATO NETO e JACYR PASTERNAK
Há possibilidade de o casamento de homossexuais diminuir os
riscos de contaminação pelo vírus da
imunodeficiência humana (HIV) entre
os(as) parceiros(as)? A chance de haver
reconhecimento legal de tal conduta
poderia ser útil na prevenção da Aids?
Conforme nossa opinião, essa modalidade de enlace leva a atitudes de confronto nos Estados Unidos, onde há os
que a defendem enfaticamente e os que
representam a direita religiosa fundamentalista, que ajudou a eleger Bush,
interessados em definir numa emenda
constitucional o casamento como sempre sendo a união de um homem com
uma mulher. Nesse aspecto, a direita
norte-americana está sendo no mínimo
incoerente, já que sempre foi uma das
suas bandeiras a defesa do direito dos
Estados -e a definição de casamento,
hoje, é um deles.
Uma das grandes queixas dos que se
opõem aos democratas constantemente
teve respaldo nas diretivas vindas de
Washington -e logo agora querem fazer uma. Que, aliás, parece inviável: todas as emendas à Constituição norte-americana (que, diferentemente das
muitas nossas, dura mais de 200 anos e
funciona muito bem, com poucas
emendas e nenhuma que altere seus
princípios básicos) aumentam a defesa
dos direitos individuais, nunca restringindo-os. A exceção constituiu o remendo que proibia o consumo de álcool, e este não durou.
Aqui no Brasil, o vínculo entre homossexuais conduz a direitos aceitos
pela Justiça em várias sentenças da autoria de diversos juízes e, provavelmente, uma união estável neste nosso país,
seja homo ou heterossexual, gera os
mesmos direitos para os parceiros na
divisão de bens. Casamento é um contrato, entre outras coisas, e, nesse aspecto, nossa Justiça é mais lógica e menos
ligada a preconceitos do que a norte-americana, admitindo direitos de herança e propriedade comum na aliança
consolidada, que essencialmente é a co-habitação reconhecida por um espaço
de tempo suficiente.
Quanto à oficialização do casamento
entre homossexuais ser útil a propósito
da prevenção da Aids, cremos que isso
em nada muda a situação que temos hoje. Entre homossexuais, como entre heterossexuais, existem ligações em que
há fidelidade permanente, existem ligações com fidelidade por algum tempo e
existem equivalentes aos casamentos
abertos, em que cada um transa com
quem quiser e como quiser, alertando
ou não o parceiro.
A lealdade conjugal não é, decididamente, um dos fortes da sociedade brasileira entre heterossexuais. Por que seria diferente entre homossexuais, ainda
que o liame tenha sido homologado em
cartório, por exemplo?
Vamos até mais longe: embora as várias religiões, e não apenas a católica,
considerem que a castidade até o casamento e a sinceridade férrea depois deste sejam obrigações pétreas, elas não
conseguem que tais diretivas sejam seguidas por todos os seus líderes, laicos
ou clericais, sejam eles padres ou pastores. Não dá para tapar o sol com uma
peneira -é só olhar e ver o que acontece.
Sem querer fazer futurologia, nosso
palpite -e, por favor, vejam isto apenas
como palpite, sem maiores pretensões- é que o celibato obrigatório clerical da Igreja Católica está com os dias
contados, e um próximo papa vai provavelmente fazer o que já é feito na Igreja Ortodoxa, em que o candidato a padre tem a oportunidade de tomar dois
rumos: ser padre secular ou monge. Se
for padre secular, não só pode, como
deve, casar-se; já o monge não casa, e só
ele pode subir na hierarquia eclesiástica,
para ser bispo ou patriarca. A opção é
clara e é discutida durante a formação
do religioso, no seminário. Julgamos
pelo menos mais lógico dar a opção do
que simplesmente cortá-la de uma vez.
Vicente Amato Neto, 76, médico infectologista,
é professor emérito da Faculdade de Medicina
da USP. Jacyr Pasternak, 64, médico infectologista, é doutor em medicina pela Unicamp.
Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES José Viegas Filho, Luis Manoel Rebelo Fernandes, Ronaldo Mota Sardenberg, Sebastião do Rego Barros, Alberto Mendes Cardoso, Erney Plessmann Camargo e Carlos Henrique: Ciência, tecnologia e defesa Próximo Texto: Painel do leitor Índice
|