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TENDÊNCIAS/DEBATES
A saúde em novo modelo de desenvolvimento
JOSÉ GOMES TEMPORÃO e CARLOS GRABOIS GADELHA
Eis o descompasso entre as necessidades de saúde dos países menos desenvolvidos e a base econômica e
de inovação mundial
UM PAÍS desenvolvido tem cidadãos saudáveis e sistema de
atendimento à saúde organizado e em funcionamento. Há economias dinâmicas, com crescimento e
participação no comércio internacional que não podem ser classificadas
como desenvolvidas. Sofrem com exclusão, desigualdade, pobreza e organização social rígida e estratificada.
O movimento de democratização
do Brasil colocou na Constituição de
1988 um conjunto de direitos sociais,
inserindo a saúde como dever do Estado e direito do cidadão. Do ponto de
vista social, o país avança com a inclusão e a redução da desigualdade, apesar do passado colonial e escravista
ainda enraizado na sociedade.
Na economia, dois complexos de
atividades produtivas alavancaram
com a articulação entre o Estado e a
iniciativa privada: o industrial-militar e o da saúde. Áreas que representam os maiores gastos de pesquisa e
desenvolvimento do mundo, compondo segmentos produtivos estratégicos que estão na base do potencial
econômico e político dos Estados líderes na economia mundial.
O Fórum Global para a Pesquisa em
Saúde revelou, em 2006, que a saúde
responde por 20% da despesa mundial, pública e privada, e que as atividades de pesquisa e desenvolvimento
tecnológico representam US$ 135 bilhões. Dado revelador do papel central da saúde na sociedade do conhecimento e o caráter excludente da globalização: países de média e baixa
renda respondem por apenas 3% desse total, com participação concentrada em atividades de menor densidade
tecnológica e potencial econômico.
Eis o descompasso entre as necessidades de saúde dos países menos
desenvolvidos e a base econômica e
de inovação mundial.
A saúde deve ser compreendida a
partir da dimensão de política social e
fonte de riqueza. A produção configura um complexo econômico-industrial com vínculo entre segmentos industriais de alto dinamismo e prestação de serviços assistenciais. Esse
complexo incorpora os novos paradigmas tecnológicos determinantes
do dinamismo das economias, como
fármacos, biotecnologia, eletrônica,
nanotecnologia e outros, articulados
com a prestação de serviços e que requerem conhecimentos qualificados.
Praticamente todos os segmentos
compreendidos na terceira revolução
tecnológica, fundamentais ao Brasil
do futuro, têm na saúde espaço crítico
para seu desenvolvimento.
O entendimento dessas atividades
como ônus ao orçamento público é
cego. O segmento contribui para cidadania, investimentos, inovações, renda, emprego e receitas ao Estado. A
cadeia produtiva representa entre 7%
e 8% do PIB (R$ 160 bilhões). Emprega, com trabalho formal, 10% da população e é a área em que os investimentos públicos com pesquisa e desenvolvimento são os mais expressivos no país.
O mercado farmacêutico brasileiro
movimenta R$ 22 bilhões, equipamentos médico-hospitalares, R$ 6 bilhões, e vacinas, reagentes e hemoderivados, R$ 3 bilhões. São indústrias
que geram 300 mil empregos diretos.
Na prestação de serviços, 77 mil estabelecimentos de saúde empregam 1,6
milhão de pessoas (mais da metade
com nível superior e alta qualificação). Por ano, o SUS realiza 2,8 mil
transplantes renais, 215 mil cirurgias
cardíacas e 9 milhões de procedimentos de rádio e quimioterapia, refletindo capacitação do sistema que se destaca entre países com grau semelhante de desenvolvimento.
Há, porém, enorme fragilidade econômica e tecnológica. As indústrias
perderam competitividade internacional ao longo da década de 90. O déficit acumulado cresceu de US$ 700
milhões ao ano, no final dos anos 80,
para US$ 4 bilhões, sendo 60% concentrados na área farmacêutica. Um
país desenvolvido requer base produtiva forte para atender a inclusão social e atenuar as desigualdades.
O Brasil apresenta grande possibilidade de superação dessa vulnerabilidade. Nossa base produtiva, ciência,
recursos humanos qualificados e sistema de saúde universal conferem ao
Estado elevado poder de compra de
bens industriais, com financiamento
de longo prazo pelo BNDES. Fatores
singulares na realidade latino-americana. Significa que a saúde é frente de
expansão e janela de oportunidades
ao padrão de desenvolvimento humanizado, equânime e solidário.
JOSÉ GOMES TEMPORÃO, 55, mestre em saúde pública
pela Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz e doutor
em medicina social pelo Instituto de Medicina Social da
UERJ, é o ministro da Saúde.
CARLOS GRABOIS GADELHA é vice-presidente de Produção e Inovação da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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