São Paulo, sexta-feira, 27 de maio de 2011

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JOSÉ SARNEY

Cinzas e ventos

É o velho e sábio Salomão quem nos diz -e tem sido repetido ao longo dos milênios- que "nada há de novo debaixo do sol". Esse trecho está na passagem em que fala que há o dia de plantar e o de colher, chegando a dogmatizar que "uma geração vai e outra geração vem, mas a Terra permanecerá para sempre".
Agora, são tantas as catástrofes que se acumulam em espaços cada vez menores de tempo que chegamos a pensar que começa a existir alguma novidade debaixo do sol.
O hemisfério Norte nestes dias está envolto em cinzas, cobrindo em parte a Islândia, a Dinamarca, a Noruega e o Reino Unido, fazendo com que os aviões fiquem em terra, com receio de que suas turbinas enfrentem as partículas de quatro gramas por dez metros cúbicos de ar das cinzas do Grimsvotn, esse vulcão que jorra fogo sob as geleiras.
Os cientistas dizem que ele é diferente, diferentes suas nuvens, diferente o clima. Mas, na palavra de Walter Oppenheimer, "os vulcões fazem o que querem". Seus humores são desconhecidos e os homens têm de lidar com eles desde que a nossa Terra passou por fogo, água, contorções e tudo o mais até ser como nós a olhamos hoje.
Desde a Antiguidade, eles são ameaças e motivo de medo. Lembremos o mais conhecido deles, o Vesúvio, que sepultou Pompeia e Herculano, cidades romanas que hoje conhecemos como eram, com suas obras de arte e suas calçadas e colunatas, além de mostrar os costumes nada virtuosos da atração entre o homem e a mulher, a inventar modos de sublimar desejos. Era o ano de 79 de nossa era cristianíssima.
O maior deles está no Chile, Ojos del Salado, que não é de nada, pois está dormindo na inatividade.
O Japão sofreu há pouco o horror do tsunami, que matou tanta gente e cuja herança de radiação perdurará por muitos anos.
Sobre a morte dizia Malherbe que nem os muros do Louvre com sua guarda defendiam o rei. Pois nem a riqueza e a força dos Estados Unidos os livram dos ataques da natureza, dos ventos de tornados e furacões, o último deles o que devastou Joplin, sem esquecer o que sofreu San Francisco no terremoto de 1906.
Mas o que há de novo é que sabemos desses fatos no mesmo momento em que ocorrem graças ao milagre da tecnologia. E o mais trágico é que a ciência nos diz que a Terra está morrendo por causa do aquecimento global, da alta das águas oceânicas, do aumento da temperatura. Lévi-Strauss dizia que o homem é essencialmente poluidor.
Vamos abrir nossos corações e olhos para não participarmos desse suicídio coletivo, salvando o próprio homem de morrer no seu mistério: o mundo.

JOSÉ SARNEY escreve às sextas-feiras nesta coluna.
jose-sarney@uol.com.br


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