São Paulo, domingo, 27 de junho de 2004

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CARLOS HEITOR CONY

O monarca das coxilhas

RIO DE JANEIRO - "Para os que o conheceram, um ser humano inesquecível", escreveu Moacyr Scliar a respeito de Brizola. Da mesma forma, Janio de Freitas e Clóvis Rossi disseram o equivalente. Sua longa e polêmica atuação na vida pública provocou exaltações. Thomas Skidmore descobriu que Brizola assustava as elites mais do que Lula.
Uma pena. O que havia de pitoresco, de inesperado, de carinhoso e de irônico na personalidade de Brizola ficou embaralhado com a política, na qual defendia ou atacava moinhos na tradição de um monarca das coxilhas, de um centauro dos pampas. Ao contrário do lugar-comum grudado a seu nome, não era um caudilho, mas um possuído.
A coerência que o impediu de ser um líder moderno e modernizado parecia vir de fora, tal como a daquele cavaleiro da Mancha que decidiu impor a justiça com a sua frágil lança e o seu combalido rocinante.
O político populista era reservado no trato pessoal, não dava intimidade a ninguém. Como um cachorro cheio de vontades, marcava um território próprio e defendia os seus domínios. Tinha um linguajar curioso, em que a savana verde dos pampas se misturava com o vocabulário do engenheiro e com a visão do homem comum.
Chegava atrasado aos compromissos porque, pelo caminho, sempre encontrava uma pessoa ou uma lembrança que o obrigava a parar e a explicar, por exemplo, como se prepara um queijo, como pretendia seqüestrar Tancredo Neves em 1961 para negociar com os militares que não queriam dar posse a João Goulart, como o Plano Real de FHC veio "de longe", como um cão pastor que prova sangue de ovelha só deixa de fazer estrago se for morto.
Um homem desses perdeu-se no dia-a-dia da selva política. Detestava hospitais e injeções, amava vinhos e gente. Estava sempre com fome de comida e de justiça. No poder e no ostracismo, nunca deixou de ser ele mesmo.


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