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Michael Jackson
NÃO É é apenas pelo talento
incomum de Michael
Jackson, nem pela comoção mundial provocada por sua
morte repentina, que a dramática trajetória do cantor norte-americano suscita comentário
neste espaço.
Talvez nenhuma outra figura
contemporânea tenha concentrado o conflito entre a esfera
pública e a vida pessoal que marca o mundo contemporâneo.
No caso de Michael Jackson, o
conflito não se encenou apenas
durante o período em que o ídolo
esteve envolvido com acusações
de pedofilia. Durante a própria
infância, o cantor conheceu a cisão entre uma rotina de aparições felizes diante das câmeras e
uma realidade familiar marcada
pela violência e pela exploração.
Sem dúvida, outras estrelas infantis viveram situações semelhantes. Mas um traço tipicamente contemporâneo de sua
biografia talvez tenha sido o fato
de que a divisão entre êxito público e trauma privado adquiriu,
com Michael Jackson, uma tradução visual e midiática.
As modernas tecnologias de
manipulação cosmética do corpo
humano foram distanciando o
cantor, do ponto de vista da aparência física, do garoto que começou sua carreira nos anos 70.
Submetido a intervenções cirúrgicas em série, com resultados cada vez mais excêntricos,
Jackson parecia esvair-se da
própria identidade, transformando-se aos poucos numa espécie de máscara -como se o
próprio conceito de "ídolo" recuperasse, em seu rosto esculpido,
o significado original de ícone religioso, bizarro e inumano.
Não se trata de reeditar aqui as
críticas, preconceituosas no fundo, a respeito do que o teria levado a rejeitar sua "negritude". É
notável em nossa época, ao contrário, um processo simultâneo
de afirmação das identidades
(sexuais, étnicas, religiosas), ao
lado de um crescimento das possibilidades individuais de reinventá-las, com inédita liberdade.
Poucas pessoas terão pago um
preço tão alto por essa dupla situação, expondo-a publicamente, quanto Michael Jackson. No
brilho e no drama de sua biografia, o cantor se inscreve como um
símbolo inquietante das contradições de nosso tempo.
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