São Paulo, Domingo, 27 de Junho de 1999
Próximo Texto | Índice

AS ARMAS FORA DA LEI

Princípios, teorias, números e comparações internacionais apresentados no debate entre os que defendem e atacam o direito de possuir armas de fogo não têm parecido suficientes para fundamentar uma posição conclusiva sobre o assunto.
Argumentos de cunho moral, legalista ou teórico dificilmente são decisivos. O direito à vida, por exemplo, é invocado tanto por quem rejeita como pelos que apóiam o projeto de lei que proíbe venda e posse de armas.
A lei de resto não teria por si a virtude de fazer baixar o número de mortos a bala, o que dependeria do esforço do Estado em implementar as novas normas e da disposição social em aceitá-las. Se é assim, se o sucesso da lei depende de uma equação a ser resolvida na prática, talvez existam alternativas mais eficazes para obter o efeito desejado, menos homicídios.
Há ainda quem defenda a proibição de armas como maneira de alterar a mentalidade social, o modo como a sociedade encara a violência. Dessa perspectiva, a posse de armas alimenta o individualismo, a crença de que a defesa pessoal e a segurança pública andam juntas. Desarmados, os cidadãos tenderiam a buscar soluções coletivas para o problema.
Pode ser, ou não; de todo modo, o argumento envolveria um confronto de posições irreconciliáveis sobre o que deve ser a sociedade, com o que se torna quase impossível chegar a um acordo sobre argumentos de ordem mais prática, que digam respeito à efetividade de uma lei que está sendo proposta aqui e agora.
Quanto às estatísticas, elas são inconclusivas ou imperfeitas; não permitem prever que, mesmo efetiva, a lei possa provocar queda expressiva no morticínio. Cidadãos sem histórico policial, com armas legais, são a grande minoria dos homicidas. "Se for poupada uma única vida, já vale a pena", diz porém o rabino Henry Sobel em defesa da proibição.
O argumento é respeitável, como todos aqueles orientados pelo desejo de minorar o massacre de cerca de 38 mil pessoas por ano no Brasil, mortas a bala. Mas, mais uma vez, tal tese não leva em conta que entre o ideal do desarmamento e a sua prática vai uma distância grande e coberta de obstáculos. Há ineficiência e insuficiência policiais. É amplo e fácil o comércio ilegal de armas. Dada a carência de recursos para a segurança pública, é difícil sustentar que a prioridade policial deva ser a apreensão de milhões de armas registradas.
Pesquisa Datafolha registrou opiniões algo contraditórias sobre a proibição de armas: 77% dos brasileiros são a favor de que os donos de armas legais as entreguem ao governo, mas 45% defendem que continue o comércio dessas mesmas armas.
O número de portes e registros de armas cai muito no país desde 97, quando foi aprovada legislação restritiva sobre o assunto. Em São Paulo foram expedidos 69 mil portes em 94. Em 98, eles foram 2.000. Nesse ano, a venda de armas caiu para um quinto, 6.000, do que era em 95.
O armamento legal está, pois, sendo reprimido. Decerto há um enorme estoque de armas de fogo legais em mãos do público. Um novo e amplo recadastramento talvez servisse para checar se elas ainda estão em boas mãos. Mas reprimir cidadãos em dia com a lei parece por ora desperdício de recursos bem escassos.
O esforço policial deveria ser dirigido para capturar as armas dos criminosos. A idéia de desarmar a sociedade deve permanecer como objetivo final -tiroteios entre indivíduos, mesmo contra bandidos, não significam segurança, mas algo como guerra civil. Mas há que ter senso de prioridade para alcançar o objetivo básico, que é o de reduzir o espantoso número de mortes violentas no país.


Próximo Texto: IMPOSTOS PARA CRESCER
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.