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São Paulo, domingo, 27 de julho de 2003

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REFORMA DA PREVIDÊNCIA

O relatório da reforma da Previdência, aprovado na quarta-feira pela comissão especial da Câmara, pode ser visto como o resultado híbrido de uma negociação que envolve duas visões distintas e antagônicas do problema.
De um lado estão os que defendem o caráter público e universal da Previdência, com base num sistema solidário de contribuição, tal como previsto pela Constituição de 1988, que instituiu a chamada seguridade social. Segundo essa visão, os servidores merecem tratamento diferenciado, uma vez que estão engajados em carreiras de Estado, para as quais não há livre mercado nem benefícios como o Fundo de Garantia. Diferenciar o funcionalismo seria valorizar o papel do Estado e zelar pelo bom desempenho das funções públicas. Haveria correções a fazer, mas não mudanças estruturais.
Essa corrente enfatiza que a seguridade social registrou excedente de caixa de R$ 36 bilhões em 2002. Esse sistema, criado pela atual Constituição, reúne a saúde, a assistência social e a Previdência dos trabalhadores do setor privado e conta com fontes de receitas "carimbadas" para mantê-lo -tais como Cofins e CPMF.
A argumentação ideológica adotada pelos que defendem essas concepções tem sublinhado o combate à "privatização" da Previdência e ao "desmanche do Estado".
Contrapondo-se a essa linha, outrora adotada pelo PT, há uma outra tendência. Seus defensores entendem que, mesmo havendo sobra de caixa na seguridade, ela é ilusória, tendo em vista obrigações futuras. Além disso, esse sistema abocanha fatia excessiva do Orçamento. Quanto à Previdência dos servidores tal como existe, seria inviável, entre outros motivos, por ter chegado a uma relação de 0,9 por 1 entre funcionários na ativa e aposentados, acarretando déficit insustentável. O custo do sistema de seguridade e o da Previdência do funcionalismo contribuiria para diminuir a capacidade de o Estado investir em outras áreas, problema agravado, ainda, pelo elevado endividamento público.
Seria, portanto, imprescindível promover uma reforma estrutural, aliviando o setor público do ônus das aposentadorias e pensões, que deveriam passar a advir de um regime contributivo baseado em fundos de pensão. Seria desejável também, ainda de acordo com essa perspectiva, que se reexaminassem os recursos destinados a programas de assistência social, que quadruplicaram entre 1987 e 2002, atingindo 20% das despesas não-financeiras da União.
A principal linha ideológica de defesa dessa visão tem sido o combate ao "déficit insustentável" e a necessidade de "eliminar privilégios".
O projeto de reforma a ser votado acabou por costurar elementos dessas duas vertentes. Preserva-se a Previdência pública e universal, mas cria-se um patamar de R$ 2.400 ao mês. A partir daí, os interessados em obter maiores rendimentos na aposentadoria deverão ingressar em fundos de pensão.
Trata-se, nesse sentido, de uma proposta "possível" de reforma. Obtém ganhos fiscais estimados em pouco mais de R$ 50 bilhões nos próximos 20 anos e oferece ao mercado garantias de que no longo prazo as contas públicas não deverão ser desajustadas pela Previdência.
Restam, porém, problemas a enfrentar, a começar pela formação dos fundos. Prevêem-se resistências ao regime de contribuição definida, ou seja, aquele que estipula o valor dos pagamentos, mas não o do benefício, que depende da gestão do fundo. Além disso, a transição para o novo modelo afigura-se custosa. Os fundos serão montados também com recursos do Estado, que terá que arcar com despesas do antigo e do novo regime. Isso explica, em parte, a busca de receitas através da taxação de inativos e do alongamento da idade mínima e do tempo de carreira de servidores para aposentadoria.
Outro caso à espera de solução é o dos trabalhadores informais, que não contribuem para a Previdência e estarão desamparados no futuro.
De um modo geral, no entanto, pode-se considerar que o relatório é positivo. Ainda que incompleto, sinaliza, corretamente, um alívio para o setor público e abre perspectivas para uma Previdência com regras mais claras e homogêneas.


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