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RUY CASTRO
Ritos
RIO DE JANEIRO - Nos filmes
americanos do passado, quando alguém estava falando ao telefone e a
linha de repente era cortada, a pessoa batia repetidamente no gancho,
dizendo "Alô? Alô?", para ver se o
outro voltava. Nunca vi uma linha
voltar por esse processo, nem no cinema, nem na vida real, mas era assim que os atores faziam.
Assim como acontecia também
com o ato de o sujeito enfiar a carta
dentro do envelope e lamber este
envelope para fechá-lo. Era formidável a "nonchalance" com que os
atores lambiam envelopes no cinema americano -a cola devia ser de
primeira. Nos nossos envelopes, se
não aplicássemos a possante goma
arábica, as cartas chegariam abertas ao destino.
Outra coisa que sempre me intrigou nos velhos filmes era: o sujeito
recebia um telegrama ou mensagem de um boy, enfiava a mão no
bolso lateral da calça e já saía com
uma moeda no valor certo da gorjeta, que ele atirava ao ar e o garoto
pegava com notável facilidade. Ninguém tirava a moeda do bolsinho
caça-níqueis, que é onde os homens
costumam guardar moedas.
E ninguém tirava também um cigarro do maço e o levava à boca.
Tirava-o da cigarreira ou de dentro
do bolso mesmo, da calça ou do
paletó. Ou seja, nos velhos filmes
americanos, as pessoas andavam
com os cigarros soltos pelos bolsos.
Acho que era para não mostrar de
graça, para milhões, a marca impressa no maço.
Já uma coisa que nunca entendi
era por que todo mundo só entrava
no carro pelo lado do carona e tinha
de vencer aquele banco imenso,
passando por cima das marchas,
para chegar ao volante. Não seria
mais prático, já que iriam dirigir,
entrar pelo lado do motorista?
Seria. Mas Hollywood, como tantas
instituições, em Roma, Tegucigalpa
ou Brasília, tinha seus ritos. E vá
você entender os ritos, sacros
ou profanos.
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