São Paulo, terça-feira, 27 de agosto de 2002 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES A crise e o Brasil real
EMÍLIO ODEBRECHT
Ocorre que vivemos em um mundo pouco tolerante com a leviandade. E os terríveis vaticínios que acompanham esse olhar caolho acabam se auto-realizando. Surge, então, com sua força avassaladora, o chamado mercado, este ser virtual e sem face, em que o especulador financeiro gravita sempre atento para agir ao menor sinal de fraqueza. Sim, há muito coisa para fazer no Brasil. Da promoção do crescimento econômico depende a solução do mais grave de nossos problemas, que é o recrudescimento da desigualdade social. Dois importantes vetores do crescimento da economia são o desenvolvimento da empresa privada e o incremento das exportações, que receberam algum incentivo nos últimos anos, mas sem merecer tratamento de absoluta prioridade nacional. Na política, é preciso acabar com a demagogia, o oportunismo, o clientelismo e a corrupção. Na administração pública, as diversas instâncias foram modernizadas, mas é preciso avançar, seja quanto aos métodos de gestão, seja quanto às leis que regem o setor. A educação está melhor e os indicadores de saúde revelam que os recursos disponíveis foram bem aplicados, mas, num e noutro caso, ainda é pouco diante do passivo que o país acumulou ao longo da história. A insegurança nas cidades denuncia um estágio dramático de desagregação social. Não há como negar, também, que o país transitou de um cenário positivo, no início do Plano Real, para uma situação de desconforto e frustração quanto ao crescimento. Mas, da mesma forma, é preciso reconhecer que o que não faltou ao governo foi seriedade e realismo. A estratégia de organização da dívida pública, por exemplo, um dos temas preferidos de seus adversários, passou, primeiro, pela revelação do que era desconhecido; em seguida, foi feita a contabilização dos esqueletos guardados nos armários e, finalmente, houve a renegociação da dívida de Estados e municípios, conduzida de maneira transparente, em bases factíveis. É inegável que o governo não soube transformar o acervo de realizações em conteúdo de uma comunicação eficaz com a sociedade. Mas a crise de desconfiança que estamos vivendo, importada e realimentada pelos especuladores de plantão, não pode contaminar nossa crença nas possibilidades do Brasil real. Louve-se, a propósito, a iniciativa histórica do presidente da República, que soube respeitar e relevar diferenças e críticas e se encontrou com os principais candidatos. Há um clima de inquietação no país e sua iniciativa resultou da consciência de que o período de transição exigirá diálogo e entrosamento, para que a transferência do poder se dê num ambiente produtivo e solidário. O que precisamos para superar o momento difícil é de um choque de confiança. Confiança nas intenções, nos propósitos e na capacidade dos candidatos de liderarem o salto de progresso que o país exige; confiança nas pessoas; confiança no Brasil. Para que esta confiança se reinstale é preciso também que a elite brasileira se mobilize, de forma articulada, e lidere, com coragem e otimismo, um mutirão pela recomposição da auto-estima nacional. A elite política não pode mais continuar pautada pela velha tese de que, em período eleitoral, quanto pior, melhor. A elite acadêmica e intelectual não deve assistir a tudo distante, inerte, passiva. E a elite empresarial precisa agregar ao coro que começa a ser ouvido, outras vozes denunciadoras de que o mundo da especulação e das crises sob encomenda é diferente do mundo da produção e da geração de riquezas, pelo qual fizemos nossa opção. Emílio Odebrecht, 56, engenheiro civil, é presidente do Conselho de Administração da Odebrecht S.A., holding das Organizações Odebrecht. Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Jacob Pinheiro Goldberg: Paranóia na eleição "thrash" Índice |
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