São Paulo, terça-feira, 27 de agosto de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A crise e o Brasil real

EMÍLIO ODEBRECHT

A compra da Perez Companc pela Petrobras frequentou a imprensa brasileira da mesma forma como os fatos corriqueiros ocupam as páginas dos jornais, diariamente. Rapidamente o assunto foi esquecido, como são esquecidos os êxitos e acertos que o Brasil vem colecionando nos últimos anos e que desaparecem, soterrados por uma avalanche de más notícias.
Assim, pouca gente pôde saber que, com a compra da empresa Argentina e, consequentemente, de seus campos de óleo e gás, o Brasil, por meio da Petrobras, deu um importante passo no rumo da auto-suficiência em petróleo, da integração energética na América do Sul e de uma condição diferenciada no mercado internacional, que vive um momento de incertezas.
Esta decisão empresarial foi tomada no olho do furacão que assola a economia brasileira há quase um mês.
Semelhante ao que a Odebrecht e o Grupo Mariani fizeram ao criar a Braskem S.A., empresa que nasce como o maior complexo petroquímico privado da América Latina.
Há outros exemplos, recentes e tão importantes quanto esses, capazes de demonstrar que temos um empresariado agressivo, otimista, que se pauta por uma agenda positiva. Temos setores como siderurgia, celulose, fabricação de aviões, química e petroquímica e serviços de engenharia e construção diferenciados e altamente competitivos. Nossos trabalhadores são determinados, ainda carentes de uma melhor educação, mas criativos e produtivos. Nossas instituições são sólidas e nosso mercado é um dos mais cobiçados.
Ao lado disso, o discernimento, a maturidade e a consciência do brasileiro quando vota têm feito dos períodos eleitorais momentos de celebração da democracia animados pela expectativa do novo e pela esperança por dias melhores. Estranhamente, na atual campanha, uma incompreensível histeria do mercado financeiro tem gerado o desencanto quanto ao presente e o pessimismo quanto ao futuro.
A grande pergunta é: Qual a origem desse fenômeno?
A indefinição a respeito das ações futuras no plano econômico e um discurso político que credita ao passado recente as causas de todos os nossos problemas criam o clima propício à alternativa desalentadora: ou se apaga o que se fez e está sendo feito, ou estaremos condenados ao fogo do inferno. É como se tamanha fosse a quantidade de erros do atual governo que já não houvesse espaço para a esperança.


A elite política não pode mais continuar pautada pela velha tese de que, em período eleitoral, quanto pior, melhor


Ocorre que vivemos em um mundo pouco tolerante com a leviandade. E os terríveis vaticínios que acompanham esse olhar caolho acabam se auto-realizando. Surge, então, com sua força avassaladora, o chamado mercado, este ser virtual e sem face, em que o especulador financeiro gravita sempre atento para agir ao menor sinal de fraqueza.
Sim, há muito coisa para fazer no Brasil. Da promoção do crescimento econômico depende a solução do mais grave de nossos problemas, que é o recrudescimento da desigualdade social.
Dois importantes vetores do crescimento da economia são o desenvolvimento da empresa privada e o incremento das exportações, que receberam algum incentivo nos últimos anos, mas sem merecer tratamento de absoluta prioridade nacional.
Na política, é preciso acabar com a demagogia, o oportunismo, o clientelismo e a corrupção. Na administração pública, as diversas instâncias foram modernizadas, mas é preciso avançar, seja quanto aos métodos de gestão, seja quanto às leis que regem o setor.
A educação está melhor e os indicadores de saúde revelam que os recursos disponíveis foram bem aplicados, mas, num e noutro caso, ainda é pouco diante do passivo que o país acumulou ao longo da história. A insegurança nas cidades denuncia um estágio dramático de desagregação social.
Não há como negar, também, que o país transitou de um cenário positivo, no início do Plano Real, para uma situação de desconforto e frustração quanto ao crescimento. Mas, da mesma forma, é preciso reconhecer que o que não faltou ao governo foi seriedade e realismo.
A estratégia de organização da dívida pública, por exemplo, um dos temas preferidos de seus adversários, passou, primeiro, pela revelação do que era desconhecido; em seguida, foi feita a contabilização dos esqueletos guardados nos armários e, finalmente, houve a renegociação da dívida de Estados e municípios, conduzida de maneira transparente, em bases factíveis.
É inegável que o governo não soube transformar o acervo de realizações em conteúdo de uma comunicação eficaz com a sociedade. Mas a crise de desconfiança que estamos vivendo, importada e realimentada pelos especuladores de plantão, não pode contaminar nossa crença nas possibilidades do Brasil real.
Louve-se, a propósito, a iniciativa histórica do presidente da República, que soube respeitar e relevar diferenças e críticas e se encontrou com os principais candidatos. Há um clima de inquietação no país e sua iniciativa resultou da consciência de que o período de transição exigirá diálogo e entrosamento, para que a transferência do poder se dê num ambiente produtivo e solidário.
O que precisamos para superar o momento difícil é de um choque de confiança. Confiança nas intenções, nos propósitos e na capacidade dos candidatos de liderarem o salto de progresso que o país exige; confiança nas pessoas; confiança no Brasil. Para que esta confiança se reinstale é preciso também que a elite brasileira se mobilize, de forma articulada, e lidere, com coragem e otimismo, um mutirão pela recomposição da auto-estima nacional.
A elite política não pode mais continuar pautada pela velha tese de que, em período eleitoral, quanto pior, melhor. A elite acadêmica e intelectual não deve assistir a tudo distante, inerte, passiva. E a elite empresarial precisa agregar ao coro que começa a ser ouvido, outras vozes denunciadoras de que o mundo da especulação e das crises sob encomenda é diferente do mundo da produção e da geração de riquezas, pelo qual fizemos nossa opção.


Emílio Odebrecht, 56, engenheiro civil, é presidente do Conselho de Administração da Odebrecht S.A., holding das Organizações Odebrecht.



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